domingo, 5 de janeiro de 2014

Rosa é para meninos: o marketing e a dissonância cognitiva

I.

O He-Man usava rosa, fica a dica

É de praxe aqui no Brasil, assim como em grande parte do mundo ocidental, que se dê roupas e brinquedos azuis para os meninos e rosas para as meninas. Você já parou pra se perguntar por quê? Não, para, não existe essa merda de "acaso", isso é só um mecanismo de defesa usado pela nossa psiquê devido à nossa incapacidade cognitiva de processar todas as informações que recebemos de nosso mundo caótico. Tem toda a questão de que o fato de distinguir entre os gêneros nas roupinhas reforça os papeis de gênero, etc, mas eu deixo esse assunto pras feministas.

O que interessa aqui é que isso existe porque, essencialmente, faz você consumir mais. Se você partir desse princípio de que toda ação de uma empresa, assim como a de um ser humano, é realizada para o benefício próprio, você vai ver como os filhos da puta te sacaneiam. A diferença entre uma empresa e um ser humano é que um ser humano é dotado de alma, moralidade, espiritualidade, enquanto que a única coisa que interessa à empresa é o dinheiro.

Mas enfim, como então que atribuir azul para os meninos faz você comprar mais? Dá uma olhada rápida na produção cultural e artesanal das diversas culturas ao redor do mundo, e rapidamente fica claro que a cor vermelha está associada ao masculino/positivo e a azul ao feminino/negativo. É só ver a ilustração de um ímã, porra. Vermelho é a cor da ação, do fogo, do excitamento; azul é a cor da reação, da água, da passividade, do resfriamento. Se você vai a um lugar quente, fica vermelho; se vai a um lugar frio, fica azul. Portanto, como essa associação tá gravada muito profundamente na nossa psiquê, nossa tendência natural é de associar os meninos ao vermelho. O que ocorre então quando vestimos nossos meninos de azul?


II.

É aí que entra a dissonância cognitiva. Ela é definida pela existência de sentimentos ou pensamentos paradoxais ou contraditórios em relação a um objeto. Ela ocorre, por exemplo, quando você come um Big Mac mesmo sabendo que é uma porcaria. O resultado da dissonância cognitiva é um aumento da insegurança e dos níveis de excitação. Nossas defesas se armam, ou seja, é algo do tipo "alguma coisa tá errada, Bob, saca teu revólver". Ficamos mais em alerta, o sangue flui para as extremidades.

E isso, é claro, nos torna mais propícios a consumir. "Hmm, não sei qual dos dois é melhor, acho que vou levar os dois". Comprar alguma coisa é que nem gozar, sabe aquela sensação de abrir a embalagem de um produto que você queria muito? Hmm, agora troca 'produto' por 'genital' e você vai começar a entender. Lembrando que amor e ódio são apenas as duas facetas da mesma moeda da libido, não há exemplo melhor disso que a carnificina que é o Black Friday (em breve, num shopping na sua cidade também!).

Haja fome

O Black Friday é o dia que segue o Dia de Ação de Graças, sempre comemorado numa quinta-feira. À exceção talvez do Natal, esse é o feriado que é mais associado com estar em família. No entanto, os americanos, de maneira geral, assim como os brasileiros estão se tornando, são muito desconexos de suas famílias. Eles são muito castrados (a maioria dos homens nos EUA é circuncidada, por exemplo, as mães cortam a amamentação cedo, etc) e portanto não criam laços familiares fortes. Quando chega um dia que remete à família, a dissonância cognitiva aumenta, e consumir alivia a tensão. O Black Friday se torna cada vez mais uma desculpa pra transferir todo o ódio que você tem pela sua família.


III.

Já deu vontade de comprar um Ray-Ban?

Voltando então para as roupinhas. As roupas de bebês sempre foram, de maneira geral, brancas, ou de uma cor neutral. De qualquer jeito, não havia distinção entre os sexos para as roupinhas. No final do século XIX, com a máquina capitalista se difundindo cada vez mais, começaram a fazer roupas separadas para meninos e meninas, pois assim os pais precisariam comprar todo um novo conjunto de roupas se o Juninho fosse ganhar uma irmã.

E veja bem: a tendência inicial foi atribuir as cores naturalmente. Nos anos 20, as grandes lojas recomendavam rosa para meninos e azul para meninas (rosa e não vermelho porque o vermelho pode ser agressivo/sexual demais, o que incomoda as pessoas de bons costumes ao ser associado a bebês). No entanto, a coisa se inverteu nos anos 40. Desde então, ficou essa associação azul-menino e rosa-menina. "Mas eu comprei roupinhas amarelas pro meu bebê!" E aí você vai pra casa toda orgulhosa por combater os estereótipos de gênero, mas se esquece que a palavra-chave da frase é 'comprei' - a C&A tá pouco se fudendo se você compra roupa amarela ou azul ou preta, contato que você compre.

Comprar uma roupinha azul pro seu filho causa, então, uma dissonância cognitiva em você. O "menino = azul" entra em choque com o "menino = vermelho" que foi implantado na sua psiquê milhares de anos atrás. Aí seu instinto é de procurar seu marido ou sua mãe (relaxa ae, pode voltar pra Marcha das Vadias, os homens também se sentem inseguros, todo mundo quer o colo de mamãe e a proteção do papai), só que seu marido tá comendo a secretária e sua mãe mora longe, resultado, um urso de pelúcia azul pro seu filho. Tá, não tem nada de moralmente errado com isso, só não vai bater nele quando ele começar a se roçar contra o ursinho, pelamordedeus.

Mas não caia na armadilha de achar que toda essa história de cores vai fazer alguma diferença. Pouco importa se você compra roupa azul ou roupa rosa, o que interessa é que você tá comprando, você ainda tá plugado na Matrix. O importante aqui é que você perceba que esses filhos da puta fazem isso não é só com as roupas não, é com tudo. O jogo deles é fazer você se sentir uma bosta pra continuar comprando e continuar seguindo as regras (que te fodem, aliás). Você compra roupa azul pro seu filho pelo mesmo motivo que você compra o creme anti-rugas da Avon: pra tentar satisfazer a grande mamãe-sociedade, que te alimenta de imagens inatingíveis. Eles nos dizem que ruga é feio, e a gente acredita, e se sente inseguro quando envelhece, e compra...ah, você entendeu.
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