segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Quem irá nos salvar da pornografia?

I.

Olha, existem inúmeros problemas na forma com a qual lidamos com a pornografia. A pornografia, sobretudo os vídeos na internet, nos treinam a ligar o prazer a processos mentais ao invés de estímulos sensoriais. Ela se tornou uma rotina na vida de muitos indivíduos em nossa sociedade pós-moderna. O pornô é junk food, é comer sem estar com fome. A decisão de assistir o pornô vem antes da ereção e portanto deixa as pessoas presas nas próprias cabeças, sem conexão com o presente real.

Mas, pra variar, a causalidade tá toda errada. É muito fácil falar de como a Coca-Cola é uma merda, corporação de merda, blablabla, mas no final das contas a decisão de beber Coca ou não é sua. Ninguém apontou uma arma na tua cabeça e mandou você detonar o Cheetos. A proliferação do pornô é uma consequência do psiquismo do ser humano pós-moderno, é um reflexo de como preferimos lidar com a sexualidade.

"Só mais um pouquinho"


Aqui o pornô é o responsável não só pelos problemas físicos e emocionais de meninas inglesas como também pelo machismo do meninos. O pornô agora é só mais um item numa longa lista de bodes expiatórios. Se a culpa é do pornô, então eu, como pai e educador, não sou responsável pelos problemas dos meus filhos. Reparem que esse tipo de artigo serve exatamente pra reforçar nossa crença de que somos pais exemplares e que as dificuldades de nossos filhos não têm a ver conosco. Se o Joãozinho manda bem, é porque tem ótimos pais, mas se manda mal é culpa da pornografia.

II.

Esse artigo é só um exemplo, mas é um exemplo bom porque mostra a desconexão entre o mundo das ideias, no qual tudo tem uma explicação simples, e o mundo real caótico. Vejam o título: "a pornografia tornou o panorama da adolescência irreconhecível". Será que eu aprendi errado o que é panorama?

1. Panorama

Visão ampla e abrangente sob todos os ângulos de coisas ou assuntos.


Tu olhou pra adolescência sob todos os ângulos e não reconheceu nada? Não, eu entendo o que tu quis dizer, mas cara, presta atenção no que tu tá escrevendo. Mas bom, trouxa sou eu se for ficar reclamando que escritores usam linguagem dramática pra chamar atenção, até porque eu faço a mesma coisa, o problema é que a pessoa tinha uma imagem na cabeça que queria transmitir (= mundo das ideias) e claramente não se preocupou com a interpretação que os outros fariam daquela frase (= mundo real).

Enfim, o grande choque é que senhoras inglesas ficam horrorizadas com o comportamento sexual dos adolescentes hoje em dia, pois é, fiquei de cara também.

Uma médica de família me contou uma história dessas recentemente. Leitores com estômago fraco podem querer desviar o olhar agora.

Pois é, é terrível, melhor ir pro Buzzfeed e ler sobre 25 Cirurgias Plásticas Que Derram Errado

Estava jantando com um grupo de mulheres quando a conversa foi para como podemos criar filhos e filhas felizes, equilibrados e capazes de formar relacionamentos significativos em uma era em que a pornografia de internet é tão acessível quanto um copo d'água. Assim como outros pais da nossa geração, estávamos numa jornada sem mapas ou luzes, mesmo que nosso instinto de proteger nossos filhos da escuridão fosse enorme.

Bom, primeiro, se você acha que o mais importante na vida do seu filho é felicidade, o buraco é realmente bem lá em baixo. Sim, a felicidade é legal e tal, mas a felicidade é uma ideia, uma ideia que o mundo real tem o hábito de impedir com uma facilidade desgraçada. Seu objetivo como pai deve ser preparar seu filho pra viver nesse mundo, a felicidade dele é responsabilidade dele, não sua. Volta aquela dinâmica: meu filho é feliz, é porque eu criei ele bem, mas ele é deprimido ou raivoso isso é culpa dos outros. Isso é tudo um jogo de identidades, o que essas mulheres querem é só o rótulo de "boa mãe", elas não tão nem aí pro que é ser mãe de verdade. E ainda tem as caras de dizer que é uma "jornada sem mapas ou luzes", como se a internet, que ela acabou de descrever como tão acessível quanto água, não existisse.

Algumas mulheres presentes disseram que já se forçaram a ter conversas constrangedoras sobre esse assunto com seus filhos adolescentes. "Eu quero que meu filho saiba que, apesar do que ele assiste no laptop, existem coisas que não se faz com uma garota no primeiro encontro, nem no quinto, talvez nunca",disse Joe.
"Grupo de mulheres", "algumas mulheres", mas até o sei "Joe" não é nome de mulher. Mais uma vez, desconexão entre o discurso e o real. E se sexo é tão desconfortável pra você que você tem que se 'forçar' a ter conversas 'constrangedoras', como que não vai ser pra sua filha? Se o sexo não é discutido com naturalidade, ele não vai ser feito com naturalidade.

Uma clínica geral, vamos chamá-la de Sue, disse: "Receio que as coisas estejam muito piores do que as pessoas imaginam"
É uma médica falando, podemos ter certeza que não vai dizer besteira, o diploma dela diz que ela é inteligente. Sim, o mundo tá acabando, entendi.

Basicamente, essas mulheres estão hor-ro-ri-za-das com o aumento das lesões sexuais e emocionais sofridas pelas adolescentes inglesas. E olha, eu não quero diminuir o sofrimento dessas meninas, mas vamo ter um pouco de perspectiva histórica, né. Só o fato dessas meninas poderem ir a um médico cuidar disso já faz a civilzação valer a pena. Mas o que tá acontecendo aqui não é uma busca das verdadeiras causas dos problemas das meninas, não, é tudo um jogo de identidade:

A clínica de Sue não fica em uma cidade do interior onde crianças foram brutalizadas ou vieram de culturas onde tal pratica é usada como contraceptivo.

Não, a Sue mora em Hampshire, ela é uma mulher educada, rica, poderosa. É inconcebível que essas coisas aconteçam em nossa sociedade civilizada, estupro é coisa de caipira, de índio. Quando a vida real bate na nossa porta e quebra nossas auto-imagens, de repente o mundo fica preto e branco e a culpa é da representação do demônio du jour: um tempo atrás as bruxas, hoje em dia a Sasha Grey. Lembrem-se, no entanto, que é exatamente isso que os arcontes querem, essa é a arma mais eficaz do fascismo: a invenção de um mal no qual podemos projetar todos nossos problemas, dos quais o ditador benevolente vai nos proteger.

Exatamente o tipo de menina que, apenas duas gerações atrás, estaria provavelmente fazendo balé e sonhando com o primeiro beijo, e não sendo coagida a fazer sexo violento por um moleque que aprendeu sobre intimidade física assistindo um vídeo de sexo em público no celular.

Lúcifer encarnado


Mas isso é culpa do adolescente? É culpa do pornô? Ou será que é culpa de pais que são tão distantes que sequer discutem esse tipo de coisa com os meninos? Reparem como há um tom de que essas questões sexuais podem causar arrepios e calafrios, como ter uma conversa honesta com um adolescente com esse tipo de atitude? A internet tá só preenchendo um buraco deixado pela família.

Pesquisadores dizem  que as causas também incluem  o desejo de alcançar um padrão de beleza irreal, perpetrado pelas mídias sociais  e o aumento na sexualização de meninas mais jovens.

Ah, tava demorando pra citar o outro demo, as 'mídias sociais'. Porque antes não haviam padrões de beleza, isso é coisa de Facebook. Antes do Instagram, as pessoas tinham uma ótima auto-imagem. Maldito Zuckerberg!

O que é novo e perigoso é a habilidade de postar selfies e esperar que a enxurrada de aprovação venha. Você não precisa passar muito tempo com uma garota adolescente insegura (e existe outro tipo?) pra saber que sua felicidade está ligada a ganhar likes ou coraçõezinhos no Facebook ou Instagram.

Se essa menina adolescente precisa de aprovação externa, é porque foi isso que ela aprendeu em casa. Os filhos são constantemente bombardeados com expectativas da parte dos pais e da família, são treinados a agirem de acordo com o ideal cultural dos pais, e depois surpreende que eles se preocupem com o que os outros acham. Quem condicionou seu filho a buscar aprovação foi você, porque em vez de aceitá-lo como ele é, você o força a se encaixar num padrão que não prejudica a tua auto-imagem. Você diz pra sua filha que ela só vai ganhar o brinquedo se tirar nota boa, mas a culpa é da indústria dos brinquedos, da Disney, sei lá.

Somos nós que estamos ensinando às crianças que a aprovação delas depende da imagem que elas passam. É por isso que provas são tão centrais a nosso sistema ocidental de educação: eu sei que meu filho é inteligente não porque eu converso com ele pra saber suas ideias e o desafiar, mas porque ele tirou 10 na prova de ciência. Eu posso mostrar pro meu vizinho que meu filho é inteligente, e certamente sou responasável por isso. Não é o Facebook que faz teu filho buscar aprovação externa, são as tuas cobranças, você tava interferindo no psiquismo do seu filho muito antes dele ter qualquer contato com a internet.

Isso explica porque na Inglaterra mais de 4 em 10 garotas, entre 13 e 17 anos, dizem que já foram coagidas a fazer atos sexuais, de acordo com a maior pesquisa europeia sobre experiências sexuais adolescentes.

Os cientistas vêem isso como sintoma de uma sociedade doente, sei lá o que, mas eu vejo isso como progresso, porque já houve a época em que 10 em 10 garotas entre 13 e 17 anos eram coagidas a fazer atos sexuais. Mas progresso não vende, então tem que ser um desastre nacional.

1 em cada 5 garotos apresentaram "atitudes extremamente negativas contra as mulheres"

Isso se chama machismo, e o pornô que tem por aí é reflexo de uma cultura machista, não foi o pornô que fez teu filho não saber lidar com mulheres, isso ele aprendeu em casa. Reparem que eles não explicam o que são 'atitudes extremamente negativas, mas números! Ciência!

III.

A solução pra nossos problemas


Quando lemos um texto, precisamos sempre nos perguntar: o que o autor quer que seja verdade? Esse tipo de texto existe somente para prover um alvo para nossa bile e nossa raiva. "É um absurdo, precisamos fazer algo para acabar com isso!" Aí o político aproveita sua revolta, passa legislação proibindo certos sites, e sua liberdade diminui a cada dia.

Pára pra pensar, você criou uma filha que não sabe dizer 'não' pro namorado e a culpa é do pornô? Você, supostamente feminista, é tão ausente na vida da sua filha que ela precisa literalmente dar a bunda pra conseguir um mínimo de afeto? Nossos filhos aprendem com nossos comportamentos, não com nossos discursos. Sua filha não sabe dizer 'não' pro namorado da mesma forma que você não sabe dizer 'não' pra corporação que quer que você trabalhe no domingo. Ainda bem que dá pra culpar a Dilma.

É impossível mudar a sociedade sem que mudemos nós mesmos antes. Se criamos nosso filhos para aceitarem que a vontade deles não tem vez, apenas a dos pais, não podemos nos surpreender depois quando esses filhos se submetem à autoridade externa. Ou seja, sua filha não pode dizer 'não' pra você quando você obriga ela a fazer aula de violino, como que ela vai dizer 'não' pro namorado? Queremos empoderar as meninas, mas sentimos necessidade de moldar suas vidas de acordo com nosso próprios ideais absurdos.

Enquanto não tivermos a coragem de olhar pra nós mesmos antes de responsabilizarmos o demônio da moda, todos nós tomaremos no cu.









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