I.
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Rá, fiz você olhar, agora lê! |
Oh céus, mais uma controvérsia: dessa vez tão processando a Gillette por discriminação contra homens peludos, devido a uma campanha publicitária que caracterizava homens peludos como nojentos ou sei lá que. Hmm, tá, e por que ninguém processa as propagandas de produto de limpeza por caracterizar os homens como incompetentes e incapazes? O que acontece é que esse caso tem credibilidade com o público porque eles criaram a controvérsia - no caso dos produtos de limpeza, não há controvérsia implícita, ou seja, ninguém questiona nada.
E o pior é que retratar os homens como idiotas é complicado porque os homens realmente acabam saindo prejudicados na parada - essa história de peito raspado, no final das contas, não afeta ninguém. Seria fácil fazer a mesma campanha com a mensagem inversa: é só deixar implícito que homem de peito raspado é boiola e criar um hashtag tipo #homemdeverdade. A questão é que pra deixar o peito peludo não precisa comprar nada.
II.
Se você acha que o mecanismo da propaganda é que o cara vai sair correndo pra farmácia querendo raspar o peito e vai comprar Gillette, então com certeza a propaganda vai funcionar em você, porque você acha que não vai ser afetado pela propaganda. Veja bem, essa campanha é muito mais pras mulheres que pros homens. Muito provavelmente, se o cara já tem o peito peludo, ele não vai querer raspar arbitrariamente. Ele pode até ver a propaganda, mas ele sabe que não é ter o peito raspado ou não que vai mudar o quanto ele pega no Carnaval. Se ele achasse que fizesse diferença, já tinha raspado. Agora, se tiver uma outra motivação...
Imagine a situação: a Fulaninha vê a propaganda. Como ela sabe que é pra homem, ela acredita que a propaganda não é pra ela (dica: se você tá vendo, é pra você), então passa tudo batido. No entanto, o que ficou registrado com ela, ou seja, o que é implícito na propaganda, é que peito raspado é o novo masculino. Tempos depois, ela vai começar a fazer pressão no namorado, sobretudo depois que as amigas delas zombarem o peito peludo do Fulaninho. Resultado: claro que ele acaba cedendo e compra...uma G/gilllette (se você é marketeiro e consegue fazer que o nome da sua marca vire substantivo comum, parabéns, você zerou o jogo).
Em outras palavras, o marketing funciona tão bem porque as pessoas acham ou que o marketing não é visado pra elas ou que elas são imunes ao marketing. Infelizmente, nenhum indivíduo pode ser. O marketing das grandes empresas não funciona a nível individual, mas a nível social. O marketing de verdade da campanha da Gillette é fazer com que as pessoas acreditem que masculino é raspar o peito, é "pegar todas", é encher o cu de cana (a AmBev agradece). Eu espero que fique bem claro que, enquanto você só questionar o que a autoridade te disser pra questionar, você vai continuar à mercê dos departamentos de marketing, provavelmente americanos pra piorar. O verdadeiro escravo é aquele que não sabe que é escravo.
E se você ainda não acredita, olha o que disse a Gillette: "a campanha “baseia-se em um vídeo engraçado e irreverente focando na preferência das mulheres por homens lisinhos, sempre respeitando nossos consumidores”.
III.
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Você pega aqui, eu pego ali... |
Repare também que o mesmo mecanismo que se aplicava pro caso do Silas Malafaia também se aplica aqui. A propaganda reforça a identidade tanto de quem raspa o peito quanto de quem não raspa. O cara que raspa vai se achar o gostosão da balada, enquanto o cara peludo diz que não raspa porque não é gay. Acontece que os públicos-alvo são diferente. O cara que raspa o peito quer as piriguetes do carnaval, enquanto o peludo quer as minas indie/hipster/cult bacaninha. No final das contas, os dois saem ganhando com a propaganda, por isso ninguém pára pra pensar.
"Críticas à campanha foram publicadas na própria página da Gillette no Facebook. “A maior palhaçada que eu já vi na minha vida! Em pleno século XXI, me aparece uma marca tentando impor um padrão estético”, escreveu o internauta Italo Bacci. “Ô Gillette, eu gosto de homem PE-LU-DO!”, protestou a consumidora Cristiane Souza."
Ítalo: uma marca É uma imposição de um padrão estético. A única coisa que interessa pras empresas é impor um padrão estético. Marketing funciona a base de persuação, não de convicção. Cristiane: ponto pro barbudo que te pegou depois dessa.
Mas teve também que curtiu. "Que legal! Já imaginaram as mulheres peludas? Direitos iguais? Por que o homem não pode depilar? Acho que todos já assistiram filmes das décadas de 70-80-90. Viram cenas de nudez? A mulher tinha mais pelos pubianos que o necessário. Hoje 99,9% usam a depilação em todo o corpo", escreveu J Icassati Icassati.
Mais que o necessário? Cara, não existe uma "quantidade necessária" de pêlos pubianos. Alguém já explicou que essa história das mulheres rasparem os pêlos pubianos começou com um grupo de irmãs brasileiras? Chama "Brazilian wax". Taí uma boa pra aula de marketing. Ah, e outra coisa: devo admitir que não foi científica, mas minha pesquisa pessoal revelou que esse número de 99,9% não bate nem um pouco. Pelo menos agora ele pode usar os pêlos da mina como desculpa pra quando ele brochar: "parada nojenta, sifudê".
IV.
Outro ponto que vale ressaltar. Esse aqui é de um comentário no artigo: "Isso não existe preconceito contra pessoas peludas , pelos é uma coisa que dá pra se tirar , isso é só desculpa pra ganha um dinheirinho em cima do processo". Eu aposto meu ovo esquerdo que você nunca mais vai ouvir falar desse processo. Sabe por quê? Há duas possibilidades em relação a quem iniciou o processo: ou gente doida mesmo (você acha que algum juiz o que seja acreditaria que isso é discriminação mesmo? Júri? Cara, isso não é Law & Order), ou funcionários da própria Gillette.
"Ué, por que que a Gillette se processaria?" Pra que você estivesse aqui conversando comigo sobre o processo, depois de ler o artigo no G1. Isso é que é o marketing de verdade. O G1 não fica postando essas coisas de graça. Por que falar dessa propaganda e não da outra? Porque teve processo. Por que teve proceso? A-ha...
Ah, e isso tudo sem contar as feministas que vão ficar falando no Facebook que mulher já tem que se submeter a isso por conta de machismo, mais uma vez divulgando a marca de graça. Claro que a nossa sociedade é machista (não por muito tempo), mas vale lembrar que escravidão requer consentimento.