I.
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"Me bate que eu gosto!" |
Recentemente tenho visto muito no Facebook as pessoas postando sobre o Silas Malafaia e sua coorte de lacaios e prestidigitadores. Quer dizer, já faz tempo isso, mas teve um pico esses tempos. O que você provavelmente não percebeu até agora é que é exatamente isso que eles querem que você faça. Não acho que conscientemente, mas a consciência não tem muito espaço no nosso mundo pós-moderno (pós-consciência?)
Tudo que vou descrever são mecanismos inconscientes. Com certeza há um punhado de cretinos que fazem isso deliberadamente, mas de que adianta criticar uma pessoa que não tem moralidade? O que acontece nessa charada é você e o Silas são dois dos participantes no Jogo da Identidade, em que um reforça a identidade do outro, e assim perpetuam o status quo - todo mundo ganha e o espírito humano perde.
O vídeo abaixo, que tem circulado bastante, é um exemplo disso. Esse blogueiro preocupado (com o quê?) explica como a genética desprova os comentários de nosso querido pastor no programa da Marília Gabriela (e repare bem, não é porque você não assistiu que essa entrevista não foi feita pra você), reforçado pelo eco interminável de comentários inanes. A ciência mais uma vez vindo à defesa! Mas se o argumento dos religiosos é de uma influência sobrenatural, você acha que é a ciência natural que vai convencer eles?
Veja como ele começa o vídeo: "Oi Silas Malafaia, tudo bem?" Perae, quê? Você acha que o Silas vai ver esse vídeo? No máximo ele vai usar isso no próximo sermão como prova da influência do demônio ou qualquer coisa do tipo. O homem (desculpa, "ser humano") que traz a espada da racionalidade prum duelo contra a pistola da irracionalidade não vai se dar muito bem.
II.
Uns comentários aleatórios no vídeo:
"A entrevista do silas malafaia é triste. Cheia de falácias e ad homines, que parecem convincentes porque ele grita, e grita e grita. Aí os crentes, por acharem que ele acabou com a mulher, vão ecoar toda a ignorância que esse bispo vomitou o programa inteiro, "glória, DEUS. O bispo é um intelectual, acabou com a gabi". Aí chegam aqui, e bem... vejam só, todo mundo dando de cara com argumentos consolidados, baseados em pesquisas empíricas. O que eles fazem? O que sempre fizeram: fecham os olhos."
Ou seja, o cara vem e insulta os milhões de "crentes" Brasil afora, e espera que eles venham ouvir sua grande sabedoria? Muito legal acusar o outro de usar falácia de argumentação (mais sobre isso em breve) e cometer uma falácia no mesmo argumento (por exemplo, a falácia do acidente ou a falácia do espantalho). Só que nada disso importante, porque o que rola na igreja não é convencimento, é persuasão.
"*Criar um filho que venha a ser homossexual ... -_-"
Questionar a lógica de um pastor é fácil, quero ver você questionar o uso da expressão abominável que é "criar um filho".
"Véi, vc já imaginou se do dia pra noite a gente tivesse q parar de sentir tesão em bunda e peitos? Fodeuuu, meu jovem."
Ou seja, a homossexualidade é tão horripilante pra você quanto pro Silas. Oy vey.
III.
Mas então, por que que essa gente toda diz isso, sendo que os evangélicos sequer vão ver o vídeo, e muito menos os comentários? É simples: o que você, compartilhador de Facebook e comentarista de YouTube, estão fazendo, é afirmando e reforçando suas próprias identidades. Os comentários não são pros evangélicos lerem, são pros ateus feministas veganos lerem. Você tá dizendo que a ciência desprova as crenças do bispo ("desprovar crença" é ótimo), mas o que todo mundo lê é que você é um intelectual culto que tem o refinamento de saber das nuâncias genéticas inerentes ao homossexualismo (opa, não, foi mal, você usaria "homosexualidade"). Você quer que as pessoas te vejam como Ser Racional, o que é claro só faz com que você negue mais ainda sua irracionalidade e a projete em alvos convenientes como o Silas.
Aqui um colunista do UOL nos explica que até a Igreja católica não condena mais os homossexuais, como se a Igreja fosse um grande parágono da moralidade e da ética. Ele nos diz que até a própria Bíblia contém alusões à homossexualidade, etc... Mas, mais uma vez, o único evangélico que vai ler esse artigo é o Silas, pra depois usar no sermão dele como prova de que os não-crentes caíram sobre a influência do demo. Resultado final do seu compartilhamento: você projeta uma identidade de racional e intelectual, o Silas projeta a identidade de defensor dos pobres e oprimidos, e tudo continua exatamente na mesma merda que tá há milênios.
Mais uma vez, independentemente de você ser crente ou ateu, gay ou homofóbico, homem ou mulher, o que acontece é que você participa do debate na forma que foi determinada por quem detém o poder. Lembrem que quem sai ganhando numa guerra não é um lado nem outro, é a indústria bélica. No caso, quem tá ganhando aqui é quem faz propaganda no YouTube ou no UOL. O que reina é a discórdia, e o espírito conciliatório desaparece.
IV.
Tá com raiva do Silas? Ponto pra ele! |
"Mas então que que eu vou fazer, deixar esses homofóbicos ganharem?" Cara, por que que você ainda acredita que isso é uma luta? Quem disse que você tem que ganhar? Que se dane o que Silas Malafaia acredita! Ao comentar no barzinho que você viu (os primeiros 2 minutos e meio da) a entrevista, ao compartilhar o post da ATEA ou do humor inteligente ("pleonasmo..."), você tá não só criando uma identidade e esperando que os outros acreditem que você é essa pessoa, você também tá entregando munição pros evangélicos fazerem essencialmente a mesma coisa do lado deles. O olho-por-olho deixa todos cegos no final das contas.
Pare de mandar os pastores evangélicos à merda. Como você se sentiria se um evangélico já chegasse acusando você de ser um pecador imoral (erm, tá, talvez não foi o melhor exemplo, há uma boa chance que você adoraria isso)? Se você quer ajudar os homossexuais, pare de dar credibilidade aos homofóbicos! Se você quer convencer os "ignorantes" a "ouvirem a voz da razão", esquece, a razão é só 50% da história.
Mas se a razão não vai convencer ninguém, por que que os evangélicos continuam indo à igreja e dando o dízimo? Já te falei, não é convencimento, é persuasão. Você já se imaginou no lugar de um cara desses? "Ah, mas se eu fosse ele, eu..." errado, se você fosse ele você não seria você, tem que ser tudo sobre você? Se você vivesse na escassez e não tivesse nenhuma oportunidade pra subir na vida (e não me vem com esse papo que a classe C tem maior poder de compra - não deixa de ser classe C), quem você iria ouvir? O cara que diz que tudo isso é um acaso, e que se você nasceu pobre, azar o seu? Ou o cara que diz que tudo isso é uma prova, é coisa do diabo, que no fundo você é merecedor do céu (e pode dividir em dez vezes!)?
Olha, tudo bem, eu sei que seu propósito não é se mostrar como superior, mas quando você acusa alguém de ignorância, você se coloca necessariamente como superior. Sem contar que trazer a ciência pruma discussão religiosa é tão ruim quanto trazer a religião pruma discussão científica. Isso não quer dizer que religião e ciência são mutuamente exclusivos, mas que um argumento científico não tem lugar num debate religioso e vice-versa. No final das contas, você acaba se colocando como adversário, e só vai reforçar ainda mais a crença do indivíduo.
E a sua própria.
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