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Renan Calheiros resolveu vender sua casa, pois o IPTU está muito alto |
Dois dos grandes tópicos do momento (tá, da semana passada...retrasada) são os cargos atingidos pelo Padre Feliciano e pelo Renan Calheiros. Meu Deus, o Facebook pegou fogo. "Que absurdo!", "Temos que fazer uma petição agora!", "Protesto no dia 20!". Enquanto isso, alguma maracutaia muito absurda tá rolando debaixo dos nossos narizes e a gente só consegue prestar atenção no Feliciano falando mal dos gays ou dos negros.
Não se preocupe, não vou vir com aquela velha lição de moral de que você provavelmente nem se lembra em quem votou pra deputado (o que não deixa de ser verdade), portanto devia participar melhor do processo democrático pra ter direito de reclamar, blablabla. Eu não tou nem aí pra quem você votou porque não faz a menor diferença. Mesmo se você se lembra em quem votou, você sabe me dizer quem foi responsável pela melhoria na rodovia? Pra qual vereador você tem que agradecer pela renovação da escola? Se o cara em que você votou é, basicamente, bom ou ruim no trabalho dele? O que faz, exatamente, um deputado? Ah, ele faz lei. Ah...mas pra quem e por quê?
Prova de que não é importante é que no Brasil, pra ser eleito basta ser famoso, não importa o motivo. Vide o Tiririca, o deputado mais votado nas últimas eleições. Mas tudo bem que ele com certeza teve ajuda dos hipsters, que votaram nele porque seria "irônico". O próprio Tiririca mostra que, se você tem grana, não precisa nem saber ler e escrever direito - o que importa é que seu nome seja reconhecível. Isso sem contar que as pessoas nem votaram no indivíduo: votaram num papel, numa imagem. Ninguém votou pro Francisco Silva, todos votaram pro Tiririca - um personagem.
II.
Um belo dia, você tá lá postando mais uma foto sua no espelho, quando aparece um link pruma petição contra o Renan Calheiros. "Ah, boto fé, vou assinar. Foda-se esse Renan Calhorda." E você se sente uma bela duma cidadã. Comenta com todos seus amigos que assinou a petição. Até quem não tá nem aí vai ficar sabendo. Enfim, resultado final da petição: Renan Calheiros continua presidente do Senado. E mesmo que ele caísse, ia entrar um cara igual, só que talvez com uma aparência um pouco mais honesta.
Eu aposto R$50 que você nem sabe quantas assinaturas precisam pra que a petição valha alguma coisa, ou se é que é possível que faça uma diferença. O que interessa é que seu nome tá lá, e portanto você é um Cidadão. "Eles deviam se sentir assim na Grécia antiga!" Meu amigo, se você acha que consegue ter um mínimo de noção de como se sentia um grego, esquece, você não tem noção nenhuma.
É a mesma coisa com o protesto. Eu admito que já fui a um desses, mas também admito que me senti ridículo marchando numa faixa da pista, 500 pessoas no máximo, carros passando ao lado, a polícia ditando tudo. Mas que seja um protesto de dezenas de milhares de pessoas. Nada disso vai fazer diferença nenhuma porque a única coisa que importa é a eleição, e os políticos se preocupam muito mais com a massa popular religiosa do que com um monte de aspirante a revolucionário (eu convido quem tiver usando uma camisa do Che a viver da França na época do Terror que sucedeu a ilustre Revolução). O que um político quer é que qualquer um de nós quer: um emprego fixo. E o que ele precisa pra manter o emprego dele é ser eleito. E você que vota nele.
III.
Perceba que a faixa não quer dizer nada |
Mas a grande sacada, o grande truque das eleições é que elas satisfazem tanto eleitores quanto candidatos porque nada muda no final das contas. O deputado sabe que vai ser re-eleito sem muito esforço porque ele pode essencialmente comprar os votos da maioria leiga, funcionalmente analfabeta, e portanto garantir seu lugar na mesa dos adultos. Do outro lado, o eleitor ganha porque ele fica totalmente livre das consequências de suas ações: o que der errado é culpa do governo/da oposição. Todo mundo esquece que ser cidadão significa ser responsável pelas escolhas de seus representantes.
E é aí que entra o outro fator: o governo é algo distante. É algo a qual não nos sentimos intimamente ligados. Desse jeito fica muito fácil ficar culpando os políticos, porque eles são praticamente lorde feudais (pense bem, eles colhem os impostos e gastam em seu próprio benefício) então a gente não tem culpa se eles só fazem merda. Enquanto você não se sentir responsável pelo que você vê na sua frente, enquanto você não se admitir que é parte da corrupção que ocorre de maneira absurdamente aberta, a situação vai permanecer do jeito que quem tá no topo quer: a mesma.
O clássico exemplo é o fulano que reclama a torto e à direita do governo, e dos partidos, e do presidente, mas que não sente nenhum remorso por furar sinal, por enganar a Receita, por colar na prova da faculdade. Os políticos são convenientes porque eles te ajudam a projetar seu próprio lado corrupto neles, se sentindo desse jeito livres de corrupção. O que vale é o que a gente faz, não o que a gente fala.
IV.
Uma solução é não ser responsável pela corrupção. Eu não voto, portanto não me sinto culpado quando descubro que um deputado roubou não sei quantos milhões. Por outro lado, eu também aceito as consequências disso, ou seja, que quem se eleger faz o que quiser. É o que acontece de qualquer jeito, então whatever.
"Ah, mas e se eu não votar, os que vão contra meus princípios vão ser eleitos!" Só que o único princípio que os políticos servem é a auto-preservação, já que a política atrai quem quer poder, não quem quer fazer mudanças reais no mundo. Sempre vai haver deputado honesto - mas até que ponto ele é honesto só na imagem? O voto é secreto! Você nem sabe pra quem seu deputado tá votando, como você sabe quais são os princípios dele?
O único jeito que você tem de mudar o que quer que seja é de ser responsável pelas próprias escolhas. No entanto, é decididamente mais fácil quando a mamãe-governo tá ali pra nos proteger se algo der errado. O governo tá ali pra te proteger de você mesmo - é só ver a proibição contra as drogas. Não tomar heroína deveria ser uma escolha moral e pessoal, não a escolha do governo. No Brasil, não nos responabilizamos por nosso uso de drogas. Se você nunca tomou heroína porque é ilegal, então tá na hora de cortar o cordão umbilical. Você não devia tomar heroína porque ela te fode, mas se você quiser se fuder, quem sou eu pra julgar? O corpo é seu.
E se você ainda tem fé no poder do seu voto, eu só te lembro que o Fernando Collor é senador hoje em dia. Um povo tem o governo que merece.