I.
Eu diria melhor. Juninho, um narcisista no capricho. O Miguel Rios quer fazer um comentário sobre a cultura machista, e bom, ele acerta em cheio, não sobre o machismo, mas sobre o narcisismo, por isso vou transcrever aqui o artigo e fazer uns comentários.
II.
Juninho nasceu. Dia de festa na família, de orgulho. O filho varão. Quarto azul, roupinhas azuis. Azul é o ursinho. Azul é o chocalho. Trata-se de um menino, homem, e tem logo que ser identificado com tal. Não deixar dúvidas.
Já temos aí o primeiro problema, os pais vão enfatizar a masculinidade dele mas o que ele vai absorver do ambiente é feminilidade, azul não é uma cor masculina, é uma cor feminina, fria, emocional, depressiva, etc. A cor masculina por excelência é o vermelho. Os pais negam seu lado feminino mas o fazem confrontá-lo todo dia. Parabéns.
Juninho é carregado pelos tios e logo seu pênis, mesmo diminuto, é louvado. "Pintão!". "Esse puxo ao tio!" As tias se apressam em arranjar um par para quem tem um dia de vida. "Agora a filha de Maria e João tem com quem namorar", diz uma. "Tem também a de Pedro e Juliana", lembra outra. Chegam logo a um consenso que ele dará conta de todas.
É garanhão. É homem. Surge a conclusão que ele estava virado para o lado direito, pois, nessa posição, poderia ficar de olho na menininha ao lado no berçário. Conversa vai conversa vem, alguém lança a teoria que quando ele chora as garotinhas se calam para escutar o grito másculo do conquistador.
O lado direito é o lado feminino, conservador
Juninho é homem e como homem será criado. É uma família que nutre a testosterona, a macheza, com muito cuidado. Não podem fraquejar, por tudo a perder.
Reparem que o interesse aqui é o dos pais, não o do filho. Eles não tão nem aí pra como ele se sente, eles só querem reforçar a própria imagem. O problema de acharem que o Juninho é sensível não é que isso é ruim pra ele, mas é ruim pros pais.
O menino cresce e é teleguiado na ordem. Bola e carrinho. Falcon e Comandos em Ação. Um dia Juninho tocou em uma Barbie. De imediato foi repreendido. "Não é para menino". Ele beijou um amiguinho na bochecha. Recebeu uma bronca maior. Roubou um beijo na boca da coleguinha. Quanta alegria dos pais, que fingiram desaprovar diante dos familiares da garota, mas comemoraram em casa o avanço do amado homenzinho. "Esse não nega. Vai pegar todas. Hehehehe!" Como o pai está feliz.
É gradual. Juninho aprende a ser homem, macho, como se espera, é o que tem que ser. O tio o abraça e pergunta: "Quantas namoradas já tem na escola?" Juninho responde: "Sete". O abraço fica ainda mais apertado. Respondeu assim... na obrigação, no escapa. De tanto ser questionado e ficar perdido sem saber o que falar, contou as amigas de classe e jogou o número na inocência. Foi premiado, viu que agradou. Tempos depois aumentou para oito. Mas comemorado ainda. Juninho fixou que quanto mais aumenta a soma, mais homenageado é.
É óbvio que o Juninho não tem literalmente sete namoradas. O tio só reforça que o que vale é apenas a imagem, a impressão que você causa. O abraço é mais forte não porque ele tem várias namoradas mas porque ele disse que tem várias namoradas. O Juninho aprende que o conteúdo real não é importante, apenas o que as pessoas acreditam.
Aprendeu. Homem tem que pegar muitas, tem que contar que pega muitas e aí causa contentamento. Mulher é feita para ser apanhada. Juninho já sabe que isso "é coisa de homem", que "homem é assim mesmo", "que quem quiser que prenda suas cabritas que o meu bodinho está solto". Juninho fixou.
Chegou na adolescência e tem consciência de que o mundo é machista, desde o começo é desse jeito, fim de papo. Ele dos que saem e paqueram. Dos que se ligam em uma garota e vão para cima. Dos que acham que a fêmea tem que ceder, que sua cantada é imbatível, que insistir é fundamental.
Juninho aprendeu com os parças que a mulher vai ali para ser incomodada, que ela faz doce, mas ela está querendo, que não tem que abrir para o beicinho dela, que macho que é macho não desiste. Ele já beijou forçando, puxou cabelo, levou tapa na cara e bateu de volta.
Ou seja, as mulheres não tem individualidade, só têm papeis, elas não são Maria e Roberta e Laura, elas são a puta, a virgem, a popular, a nerd, etc. O narcisista não vê um mundo repleto de sujeitos, ele se acha o protagonista de um filme e todos os outros são só tipos, estereótipos, personagens secundários. Se elas são apenas imagens, é claro que não têm vontade própria, a única função delas é em relação a ele.
Juninho modelou a mente para identificar a menina para ficar e a para namorar. Normas que ele segue à risca, porque homem que é homem de respeito não se liga à vagabunda, não quer ouvir "tás com uma rodada?". Para namorar é a menina com menos fama de ficante possível. A comportada. A virginal. Para dar uns pegas é a liberta, a sem amarras, que ele conhece como piranha. A que não vai rejeitá-lo. A que taxaram como sempre disponível. Que é ir lá e pimba!, já pegou. Que se recusar ele tem o direito de reclamar: "Como assim ele ser recusado?", "Como assim aquela puta posar de difícil?". Juninho não entende. Não admite. Não foi o que lhe disseram desde sempre, está fora do eixo.
O problema, reparem, não foi ser rejeitado pela Fulana, foi ele ser visto como rejeitado. É claro que ele vai criar racionalizações, "ela é uma puta", mais uma vez apelando prum papel.
Não é o que lhe cobram. Juninho sabe que precisa corresponder. Caso algum requisito do macho ideal falte em sua ficha, ele tem que pagar. Preço, para ele, duro.
Ênfase minha.
Se Juninho tropeçar diante da banca examinadora, que nunca para de fiscalizar, é chamado de gay. Instantâneo. Se fraqueja na caça sexual, é veado. Se usa um sapato fora das regras, é boiola. Se pede um chá na cantina da escola, é bicha.
Ou seja, qualquer indício de que ele é um sujeito tem que ser escondido pra reforçar a imagem. Mas o resultado disso é que não há mais Juninho, há apenas mais um macho alfa.
Inadmissível para ele. Juninho foi doutrinado para pensar que, mas que tudo, homossexualidade é o que há de pior. Que seus tios e tias, primos e primas, avôs e avós, mãe e pai, sempre o guiaram no cabresto, com tanta pressão, tanta vigilância, tanto esforço, para evitar a desgraça. Que ele pode ser tudo. Machista, tarado, bandido, dar desfalque, trair um amigo, ser violento, mandar pessoas para o hospital. Tudo. Menos a desonra de ser gay.
Juninho treme apenas em pensar na possibilidade de que alguém bote sua macheza em dúvida. Nunca. Logo ele que para desmerecer chama logo de veadinho. Logo ele que vai para o estádio torcer e grita sem parar "Fulano, veado", "Time de mariquinhas". Que nem cogita ter um jogador homossexual manchando as cores de seu manto sagrado. Que caso ocorra vai ameaçar o cara,manda sair, já em pânico pela chacota que o adversário vai fazer pelo resto da vida.
Logo Juninho que não lava um prato, nem arruma a cama por ser trabalho de mulher. Logo ele que abusa dos gesto viris. Que abraça amigo quase na porrada para que o afeto não seja confundido com delicadeza. Que grita palavrão quando uma garota de minissaia passa, que coleciona Playboys, que de jeito nenhum chora porque nada a ver ser sensível, que transa mesmo sem estar a fim apenas para manter a reputação intacta.
Um comportamento muito comum, se você reparar, não, não o que eles dizem, o que eles fazem, é ficar se agarrando um ao outro. O autor explica bem: eles usam a desculpa da porrada, mas seja o que for, eles falam que tão se batendo mas o mundo vê eles se pegando. Lembra que eles adoram UFC.
Que acha que o mundo corre perigo de enveadar por causa dos direitos LGBTs. Que ficou sabendo que ativista homossexual é gayzista, que ser homofóbico é apenas bater em gays, que destratar, querer que continuem subcidadãos, subalternos, é defender o orgulho hétero, as famílias, a ordem natural. Que acha o mundo é hipócrita, já que ninguém quer ter filho gay, mas ficam defendendo.
Isso é projeção, o hipócrita é ele, ele sabe que os gays merecem os mesmos direitos que todo mundo, mas ele não pode admitir isso, nem pra si mesmo.
Juninho é algoz e vítima. O mundo, que ele tanto acredita ser imutável, que como está deveria ficar, solidificou aos poucos, desde quando bateu suas primeiras palminhas, o que ele prega.
O mundo de Juninho é o de verdades velhas, fabricadas por interesse, de seus antepassados, que ele absorveu como suas. De que há pessoas subordinadas, que o lugar delas é aquele, que não têm nada que contestar. Elas têm é que se contentar.
A ideologia primária não é anti-gay ou anti-mulher ou que quer que seja. O que interessa é que você aceite seu papel de bateria da Matrix, que você não questione nada, que você se submeta à autoridade. Eles se posam de macho alfa mas no fundo são os machos ômega.
Juninho é um rei. Está no lucro. Posto no topo da cadeia alimentar, em um ecossistema onde outros são presas. Para capturar, acasalar, procriar ou para destruir. Ele luta para perpetuar seu lugar dominante.
Isso é o que ele quer ver. O melhor escravo é aquele que não sabe que é escravo, que se acha o rei.
Juninho não atenta, em seu silêncio crítico e criativo, o quanto ele nada tem de atitude. De ele mesmo. É um papagaio, uma cópia. Um escravo, que asfixiou uma parte de si para dar satisfação, se moldar ao que se quer dele. É passivo.
Ele não asfixiou uma parte de si, ele se asfixiou por completo. Não há Juninho, nem ele acredita mais nisso.
Mas Juninho está nem aí, nem vai chegando. Raciocínios novos são frescuras de veado. Ficar lamentando injustiça é mimimi de veado. Homem bebe, arrota e dá no couro. E fica tudo bem.
Juninho tem mais é que se preocupar com o casamento que se aproxima. Com menina que ele desvirginou e engravidou. Não está muito na de juntar as escovas de dente, já caiu na greia dos companheiros, de que vai para a forca, que perder a liberdade, mas ele se compromete a não deixar a farra e a pegação. "Mulher em casa nada impede mulher na rua". E arranca gargalhadas. Se não der certo, separa e volta por completo para a curtição.
Na verdade o provável é que ele traia ela de mais em mais frequentemente, com mulheres de mais em mais jovens, porque ele não conseguirá aceitar o fato de que está envelhecendo, a única coisa que ele sabe fazer é pegar piranha, mas vai chegar uma hora que todo o Viagra do mundo não vai levantar o pinto desse cara. Ela vai ficar com ele porque ela não conhece outra coisa, presta atenção, ela tá com o cara que desvirginou ela até hoje. O mundo inteiro dela tá no dele porque os pais dela não ensinaram ela a ter respeito próprio, a valorizar a si própria, olha com quem ela casou porra.
O importante é que Netinho nasce daqui a seis meses. Enxoval azul já encomendado. Max Steel e Hot Wheels na prateleira. Netinho vai puxar ao pai. Macho todo.
E aqui está o problema de verdade. Já não há mais esperança pro Juninho, ele já ficou pra trás. E agora, quem vai salvar o Netinho?