quarta-feira, 28 de agosto de 2013

A criação de um narcisista

I.

E ele nunca mais conseguiu parar de ver seu reflexo no lago

Juninho, um machista no capricho

Eu diria melhor. Juninho, um narcisista no capricho. O Miguel Rios quer fazer um comentário sobre a cultura machista, e bom, ele acerta em cheio, não sobre o machismo, mas sobre o narcisismo, por isso vou transcrever aqui o artigo e fazer uns comentários.

II.

Juninho nasceu. Dia de festa na família, de orgulho. O filho varão. Quarto azul, roupinhas azuis. Azul é o ursinho. Azul é o chocalho. Trata-se de um menino, homem, e tem logo que ser identificado com tal. Não deixar dúvidas.

Já temos aí o primeiro problema, os pais vão enfatizar a masculinidade dele mas o que ele vai absorver do ambiente é feminilidade, azul não é uma cor masculina, é uma cor feminina, fria, emocional, depressiva, etc. A cor masculina por excelência é o vermelho. Os pais negam seu lado feminino mas o fazem confrontá-lo todo dia. Parabéns.


Juninho é carregado pelos tios e logo seu pênis, mesmo diminuto, é louvado. "Pintão!". "Esse puxo ao tio!" As tias se apressam em arranjar um par para quem tem um dia de vida. "Agora a filha de Maria e João tem com quem namorar", diz uma. "Tem também a de Pedro e Juliana", lembra outra. Chegam logo a um consenso que ele dará conta de todas.



É garanhão. É homem. Surge a conclusão que ele estava virado para o lado direito, pois, nessa posição, poderia ficar de olho na menininha ao lado no berçário. Conversa vai conversa vem, alguém lança a teoria que quando ele chora as garotinhas se calam para escutar o grito másculo do conquistador.


O lado direito é o lado feminino, conservador


Juninho é homem e como homem será criado. É uma família que nutre a testosterona, a macheza, com muito cuidado. Não podem fraquejar, por tudo a perder.


Reparem que o interesse aqui é o dos pais, não o do filho. Eles não tão nem aí pra como ele se sente, eles só querem reforçar a própria imagem. O problema de acharem que o Juninho é sensível não é que isso é ruim pra ele, mas é ruim pros pais.


O menino cresce e é teleguiado na ordem. Bola e carrinho. Falcon e Comandos em Ação. Um dia Juninho tocou em uma Barbie. De imediato foi repreendido. "Não é para menino". Ele beijou um amiguinho na bochecha. Recebeu uma bronca maior. Roubou um beijo na boca da coleguinha. Quanta alegria dos pais, que fingiram desaprovar diante dos familiares da garota, mas comemoraram em casa o avanço do amado homenzinho. "Esse não nega. Vai pegar todas. Hehehehe!" Como o pai está feliz.

É gradual. Juninho aprende a ser homem, macho, como se espera, é o que tem que ser. O tio o abraça e pergunta: "Quantas namoradas já tem na escola?" Juninho responde: "Sete". O abraço fica ainda mais apertado. Respondeu assim... na obrigação, no escapa. De tanto ser questionado e ficar perdido sem saber o que falar, contou as amigas de classe e jogou o número na inocência. Foi premiado, viu que agradou. Tempos depois aumentou para oito. Mas comemorado ainda. Juninho fixou que quanto mais aumenta a soma, mais homenageado é.

É óbvio que o Juninho não tem literalmente sete namoradas. O tio só reforça que o que vale é apenas a imagem, a impressão que você causa. O abraço é mais forte não porque ele tem várias namoradas mas porque ele disse que tem várias namoradas. O Juninho aprende que o conteúdo real não é importante, apenas o que as pessoas acreditam.


Aprendeu. Homem tem que pegar muitas, tem que contar que pega muitas e aí causa contentamento. Mulher é feita para ser apanhada. Juninho já sabe que isso "é coisa de homem", que "homem é assim mesmo", "que quem quiser que prenda suas cabritas que o meu bodinho está solto". Juninho fixou.

Chegou na adolescência e tem consciência de que o mundo é machista, desde o começo é desse jeito, fim de papo. Ele dos que saem e paqueram. Dos que se ligam em uma garota e vão para cima. Dos que acham que a fêmea tem que ceder, que sua cantada é imbatível, que insistir é fundamental.
Juninho aprendeu com os parças que a mulher vai ali para ser incomodada, que ela faz doce, mas ela está querendo, que não tem que abrir para o beicinho dela, que macho que é macho não desiste. Ele já beijou forçando, puxou cabelo, levou tapa na cara e bateu de volta.

Ou seja, as mulheres não tem individualidade, só têm papeis, elas não são Maria e Roberta e Laura, elas são a puta, a virgem, a popular, a nerd, etc. O narcisista não vê um mundo repleto de sujeitos, ele se acha o protagonista de um filme e todos os outros são só tipos, estereótipos, personagens secundários. Se elas são apenas imagens, é claro que não têm vontade própria, a única função delas é em relação a ele.


Juninho modelou a mente para identificar a menina para ficar e a para namorar. Normas que ele segue à risca, porque homem que é homem de respeito não se liga à vagabunda, não quer ouvir "tás com uma rodada?". Para namorar é a menina com menos fama de ficante possível. A comportada. A virginal. Para dar uns pegas é a liberta, a sem amarras, que ele conhece como piranha. A que não vai rejeitá-lo. A que taxaram como sempre disponível. Que é ir lá e pimba!, já pegou. Que se recusar ele tem o direito de reclamar: "Como assim ele ser recusado?", "Como assim aquela puta posar de difícil?". Juninho não entende. Não admite. Não foi o que lhe disseram desde sempre, está fora do eixo.



O problema, reparem, não foi ser rejeitado pela Fulana, foi ele ser visto como rejeitado. É claro que ele vai criar racionalizações, "ela é uma puta", mais uma vez apelando prum papel.



Não é o que lhe cobram. Juninho sabe que precisa corresponder. Caso algum requisito do macho ideal falte em sua ficha, ele tem que pagar. Preço, para ele, duro.



Ênfase minha.



Se Juninho tropeçar diante da banca examinadora, que nunca para de fiscalizar, é chamado de gay. Instantâneo. Se fraqueja na caça sexual, é veado. Se usa um sapato fora das regras, é boiola. Se pede um chá na cantina da escola, é bicha.



Ou seja, qualquer indício de que ele é um sujeito tem que ser escondido pra reforçar a imagem. Mas o resultado disso é que não há mais Juninho, há apenas mais um macho alfa.



Inadmissível para ele. Juninho foi doutrinado para pensar que, mas que tudo, homossexualidade é o que há de pior. Que seus tios e tias, primos e primas, avôs e avós, mãe e pai, sempre o guiaram no cabresto, com tanta pressão, tanta vigilância, tanto esforço, para evitar a desgraça. Que ele pode ser tudo. Machista, tarado, bandido, dar desfalque, trair um amigo, ser violento, mandar pessoas para o hospital. Tudo. Menos a desonra de ser gay.



Juninho treme apenas em pensar na possibilidade de que alguém bote sua macheza em dúvida. Nunca. Logo ele que para desmerecer chama logo de veadinho. Logo ele que vai para o estádio torcer e grita sem parar "Fulano, veado", "Time de mariquinhas". Que nem cogita ter um jogador homossexual manchando as cores de seu manto sagrado. Que caso ocorra vai ameaçar o cara,manda sair, já em pânico pela chacota que o adversário vai fazer pelo resto da vida.



Logo Juninho que não lava um prato, nem arruma a cama por ser trabalho de mulher. Logo ele que abusa dos gesto viris. Que abraça amigo quase na porrada para que o afeto não seja confundido com delicadeza. Que grita palavrão quando uma garota de minissaia passa, que coleciona Playboys, que de jeito nenhum chora porque nada a ver ser sensível, que transa mesmo sem estar a fim apenas para manter a reputação intacta.



Um comportamento muito comum, se você reparar, não, não o que eles dizem, o que eles fazem, é ficar se agarrando um ao outro. O autor explica bem: eles usam a desculpa da porrada, mas seja o que for, eles falam que tão se batendo mas o mundo vê eles se pegando. Lembra que eles adoram UFC.



Que acha que o mundo corre perigo de enveadar por causa dos direitos LGBTs. Que ficou sabendo que ativista homossexual é gayzista, que ser homofóbico é apenas bater em gays, que destratar, querer que continuem subcidadãos, subalternos, é defender o orgulho hétero, as famílias, a ordem natural. Que acha o mundo é hipócrita, já que ninguém quer ter filho gay, mas ficam defendendo.



Isso é projeção, o hipócrita é ele, ele sabe que os gays merecem os mesmos direitos que todo mundo, mas ele não pode admitir isso, nem pra si mesmo.



Juninho é algoz e vítima. O mundo, que ele tanto acredita ser imutável, que como está deveria ficar, solidificou aos poucos, desde quando bateu suas primeiras palminhas, o que ele prega.



O mundo de Juninho é o de verdades velhas, fabricadas por interesse, de seus antepassados, que ele absorveu como suas. De que há pessoas subordinadas, que o lugar delas é aquele, que não têm nada que contestar. Elas têm é que se contentar.



A ideologia primária não é anti-gay ou anti-mulher ou que quer que seja. O que interessa é que você aceite seu papel de bateria da Matrix, que você não questione nada, que você se submeta à autoridade. Eles se posam de macho alfa mas no fundo são os machos ômega.



Juninho é um rei. Está no lucro. Posto no topo da cadeia alimentar, em um ecossistema onde outros são presas. Para capturar, acasalar, procriar ou para destruir. Ele luta para perpetuar seu lugar dominante.



Isso é o que ele quer ver. O melhor escravo é aquele que não sabe que é escravo, que se acha o rei.


Juninho não atenta, em seu silêncio crítico e criativo, o quanto ele nada tem de atitude. De ele mesmo. É um papagaio, uma cópia. Um escravo, que asfixiou uma parte de si para dar satisfação, se moldar ao que se quer dele. É passivo.

Ele não asfixiou uma parte de si, ele se asfixiou por completo. Não há Juninho, nem ele acredita mais nisso.



Mas Juninho está nem aí, nem vai chegando. Raciocínios novos são frescuras de veado. Ficar lamentando injustiça é mimimi de veado. Homem bebe, arrota e dá no couro. E fica tudo bem.



Juninho tem mais é que se preocupar com o casamento que se aproxima. Com menina que ele desvirginou e engravidou. Não está muito na de juntar as escovas de dente, já caiu na greia dos companheiros, de que vai para a forca, que perder a liberdade, mas ele se compromete a não deixar a farra e a pegação. "Mulher em casa nada impede mulher na rua". E arranca gargalhadas. Se não der certo, separa e volta por completo para a curtição.



Na verdade o provável é que ele traia ela de mais em mais frequentemente, com mulheres de mais em mais jovens, porque ele não conseguirá aceitar o fato de que está envelhecendo, a única coisa que ele sabe fazer é pegar piranha, mas vai chegar uma hora que todo o Viagra do mundo não vai levantar o pinto desse cara. Ela vai ficar com ele porque ela não conhece outra coisa, presta atenção, ela tá com o cara que desvirginou ela até hoje. O mundo inteiro dela tá no dele porque os pais dela não ensinaram ela a ter respeito próprio, a valorizar a si própria, olha com quem ela casou porra.



O importante é que Netinho nasce daqui a seis meses. Enxoval azul já encomendado. Max Steel e Hot Wheels na prateleira. Netinho vai puxar ao pai. Macho todo.



E aqui está o problema de verdade. Já não há mais esperança pro Juninho, ele já ficou pra trás. E agora, quem vai salvar o Netinho?

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Não é raiva, é inveja

I.

Lúcifer encarnado

Se você entrou na internet na última semana, você deve ter visto a tragédia mais relevante dos últimos tempos. Se você pensou na Síria ("fica perto do Oriente Médio, né?") ou na erosão da economia mundial ("quê? eu comprei um iPad ontem!"), parabéns, você ainda tem chance. Se você pensou na escolha do Ben Affleck pro papel do Batman no próximo filme do Super-Homem (?!?), se remova do genoma humano antes que seja tarde demais.

Fãs realizam petição para tirar de Ben Affleck o papel de Batman

Puta que o pariu. Eu não sei nem por onde começar.


II.

Pense bem: cada segundo que você passa criticando a decisão ou assinando petições é um segundo que não contribuiu absolutamente nada nem pra si mesmo nem para os outros. Você realmente tem alguma ilusão que uma petição vai fazer com que os produtores voltem atrás? A única maneira que você tem de influenciar essa decisão é de não assistir o filme, mas eles sabem que isso nunca vai acontecer, então eles ganharam.

"Mas eu vou ver o filme na internet, não vou dar dinheiro pra eles." Talvez, mas você vai conversar sobre o filme com teu broder, que depois vai querer assistir no cinema. Eles ganharam de novo, esquece cara, eles são muito mais experientes nisso que você. Você realmente acha que o Pirate Bay continuaria a existir se os picas-grossas da indústria do entretenimento não deixassem? Se você respondeu que sim, eu conheço um príncipe nigeriano que precisa da sua ajuda com uma transação bancária.

O fato é que você tá fazendo um enorme investimento psíquico numa questão que é, no melhor dos casos, superficial. Mas tudo bem, eu entendo, se você investir sua energia psíquica no autodesenvolvimento vai se dar conta que sua vida é uma mentira, é difícil aguentar esse tipo de choque. Isso é, mais uma vez, masturbação. Pensa bem: seus 15 minutos foram mais mal gastos do que com uma punheta, porque pelo menos com a punheta você goza.


III.

A única coisa que interessa pros produtores é quanto dinheiro vai entrar na conta deles depois que o filme sair. É por isso que eles gastam centenas de milhões pra promover os filmes, a ideia é saturar você com a ideia do filme até que você assistir o filme seja inevitável.

Ou seja, quando você chama o pessoal pra participar na petição, a única coisa que você tá fazendo é promover o filme, porque o que importa é que as pessoas estejam falando sobre o filme, foda-se o conteúdo efetivo da conversa. Até uma prostituta ganha um pouco de (ou muito) dinheiro quanto ela vende o corpo. Você vendeu a alma e não ganhou um tostão.

A escolha do Ben Affleck foi uma controvérsia fabricada, eles não escolheram ele apesar da reação dos fanboys, eles escolheram ele por causa da reação dos fanboys. Eles contaram com sua petição, cara. O artigo acima ainda faz o favor de mostrar a futilidade dessa discussão dando o exemplo da reação dos fanboys à escolha do Heath Ledger. Eles reclamaram, resultado, o Heath Ledger virou um rock star e dirigiu seu carro até o pôr do sol.

Alguém lembra da atrocidade que foram os filmes do Batman que vieram antes do Chris Nolan? Schwarzenegger e Jim Carrey, sério? E o Ben Affleck é ruim? Olha, eu até concordaria se fosse dez anos atrás. Todo mundo fala do Demolidor (?!?) mas esse cara fez Gigli, desculpa, Contato de Risco, puta merda, mas felizmente o Ben Affleck não é que nem você, ele evolui, ele cresceu, e hoje em dia ele tem uma pilha de Oscars e buceta à la carte e você não tem nada.


IV.

Falar mal do Affleck é fácil, mas eu te garanto que você trocaria de vida com ele num piscar de olhos. A verdade é que ele é perfeito pro papel: ele é branco, ele é atraente, ele tá perto dos 40, ele é um bom ator. Que mais você quer, porra? Mas não, o problema não é que ele não daria um bom Batman, eu te garanto que vai tar todo mundo pagando pau quando o filme sair, o problema é que ele não é quem você imagina na sua fantasia do Batman.

O Christian Bale é conhecido por fazer papeis difíceis e sombrios, portanto ele é bom, enquanto o Ben Affleck faz filmes de ação e comédias românticas, portanto ele é ruim. O que você esquece é que eles são atores, eles são pagos pra mentir pra você, os papeis que eles tiveram antes do Batman não tem absolutamente nenhuma relevância ao desempenho deles como Bruce Wayne.

Mas isso é só secundário, a principal razão que você não consegue imaginar outra pessoa no papel é que os filmes do Nolan foram seu primeiro contato real com o Batman (não, assistir o filme do Tim Burton aos oito anos não conta), ele que é o SEU Batman. Ou você acha que seu primo mais velho não achou que o Christian Bale era uma péssima escolha? (tá, tudo bem, talvez nem tanto porque qualquer pastel seria melhor que o George Clooney, que claramente tava zoando com o diretor - e por extensão, com você)

A única maneira de descobrir se o Affleck vai ser bom como Batman vai ser de assistir a porra do filme. O que acontece é que você não consegue sair dessa bolha que é sua existência, em que tudo gira em torno de você. A escolha do ator TE desagradou, portanto você vai mover mundos e fundos (= fazer uma petição, xaropar no Facebook) pra deixar perfeitamente claro pra todo mundo que você é um grande conhecedor do cinema e sabe melhor do que ninguém quem seria ideal pro papel. Tudo isso é uma ótima distração à percepção que você é praticamente irrelevante, ou seja, inexistente.

Eu aposto que você pensa que se fosse um quaquilionário você também seria um justiceiro. Talvez não enfrentando mafiosos e corruptos, mas de alguma forma. Mas isso é uma fantasia, se você tivesse nascido num berço de ouro você taria cheirando coca na bunda de uma stripper e batendo racha bêbado com sua Porsche. O que tornou o Bruce Wayne no Batman foi a morte dos pais dele. Ele (relativamente) rapidamente chegou à conclusão que toda a riqueza no mundo não preencheria o vazio que ele sentia, nada fazia sentido na vida dele, na verdade ele só virou o Batman porque ele não tinha nada a perder.

Se você tivesse a escolha de ser o Batman, mas tivesse que perder seus pais aos 8 anos, você o faria? Eu também não. Não é a vida do Batman que você quer, é a máscara dele.


V.

Tudo bem que é um alvo fácil, quem passa seu tempo em sites assim não tem muita esperança anyway, mas vale mostrar alguns pra exemplificar o que eu tou falando:

As pessoas nao tem mesmo mais com o que se preocupar ne?

Realmente, essa galera que fica postando nos sites da Globo é foda

Só lembrando, ele acabou com o Demolidor!!!!!!!!!!!!!!!!

Não, quem acabou com o Demolidor foi você que não consegue assistir um filme em que ninguém usa uma máscara (e você é o que você consome)

Samuel L. Jackson é o Nick Fury, CHRISTIAN BALE é o Batman, Matt Damon é o Jason Bourne. Certas coisas não se deve mudar.

Certamente não você né campeão

Acho que tem que ser o Christian Bale novamente,ele é perfeito…

Errado, ele pode ser o melhor ator da história mas ele ainda é um ser humano (uma característica clara do narcisismo é uma incapacidade de ver indivíduos, apenas imagens, tipos)

O resto dos comentários é do mesmo naipe, "eu acho", "eu acredito", "na minha opinião" PUTA MERDA EU JÁ SEI, seu nome tá logo acima caralho. É tudo eu, eu, eu, o que acontece aqui não é avaliação crítica, não é distanciamento objetivo, é afirmação de identidade. O problema é que essas pessoas tão afirmando a identidade delas num vácuo, elas não conhecem as outras pessoas que tão postando, elas tão fazendo isso unica- e exclusivamente pra se reafirmarem pra si mesmas

"Ah mas você tá aí falando desse assunto, quem é você pra criticar?" sim, tudo bem, a diferença é que você tá se posicionando como PhD em Batmanologia, enquanto minha pretensão é apenas ser um espelho. O que você vê?

domingo, 18 de agosto de 2013

Inteligente ou inconsciente?

I.

Pessoas inteligentes

"Pessoas mais inteligentes dormem tarde, afirma estudo." Eis a manchete de um artigo postado no blog Engenharia É. O que você acha que tá lendo é que a ciência mostra que seus hábitos noturnos foram justificados, mas o que você lê de verdade é somente um reforço a sua identidade, à identidade que você acha que escolheu pra você mesmo. Se você tá lendo esse blog, certamente você se acha um cara inteligente, e provavelmente é, pelo menos num sentido de capacidade de raciocínio lógico e espacial. Mas o que esse artigo realmente faz é dar uma desculpa pra você não mudar. Se você leu, é pra você.

Vamos olhar pra você, Pedro Henrique, aluno de engenharia. Você tá no 6o semestre, já bombou uma ou outra matéria, não sabe direito o que quer da vida ainda, mas ei, pelo menos vai ter um bom emprego quando se formar, certo? Você tá passeando pelo Facebook às 3 da manhã, e vê a manchete acima. É claro que você vai clicar no link, porque isso permite que você alivie a sensação de inutilidade que pervade sua vida. Esse artigo vai passar a mão na sua cabeça e te assegurar, dizendo que não é culpa sua que você passa seu tempo memorizando dados e jogando videogame e dormindo mal pra caralho, é porque você é um cara Inteligente, é você que vai salvar o mundo do Feliciano, naquele momento mágico em que você for O cara.

Uma rápida passada pelo artigo, e amanhã você comenta isso com teu broder enquanto vocês matam a aula pra comer um salgadinho: "Quem dorme mais tarde é mais inteligente!" Repare que você trocou a causalidade sem nem pensar no assunto. Isso é porque esse artigo, esse estudo, são uma fraude. Começa com o estudo: cadê ele? Não tem nenhum link pra tal estudo, só pro jornal de onde eles tiraram essa informação. Isso já devia acionar seus alarmes, mas eu acho que duas décadas de Coca e Cheetos devem ter deixado ele meio defeituoso. Mas tem pior.

II.

"Outros estudos encontraram uma ligação entre o período vespertino com tirar notas boas na escola"

"Outros estudos", ou seja, impossível saber se foi algo rigoroso ou se eles só tiraram isso tudo da bunda e assinaram os nomes de cientistas em baixo. Mas tem outro problema. Você pensou "eu tirei boas notas, eu durmo tarde, há, sou eu!", parabéns, pode mandar seu contracheque direto pro BB e pro PT, você perdeu, cara. Quem sai ganhando aqui é o Sistema, porque você continua vivendo sua vida medíocre, achando que tá tudo bem porque você é "inteligente". Você já parou pra pensar o que são notas e o que elas medem? Vou te dar uma dica: não é inteligência.

Achar que é "inteligente" pode funcionar pro PH enquanto ele tá na facu, mas não vai adiantar muito quando ele tiver se divorciando e odiando o emprego dele fazendo banco de dado pro TCU. Esse tipo de artigo não é ciência, é masturbação, é punheta mental. Pro blog ele serve pra gerar conteúdo, porque os editores sabem que você vai acabar postando esse link no muro da sua mãe, e olha só que bacana, saiu um livro novo do Dan Brown, como que eu não sabia disso?

O PH nunca parou pra pensar que nenhuma criança na história disse "quando eu crescer, quero ser programador de banco de dados!". Quando ele era pequeno ele tinha sonhos de ser jogador de futebol, de ser caubói, de ser ninja. Hoje em dia o sonho dele é sentir tesão pela mulher que tá cada dia mais gorda e mais perua, mas nem isso rola. Ele esqueceu dos sonhos dele pra viver uma fantasia que ele absorveu dos pais/família/sociedade/cultura. Pra isso que serve esse tipo de artigo: depois de mais uma noite em que a mulher dele tem dor de cabeça, ele se lembra que pelo menos ele é inteligente, ele dorme tarde. Ah, mas hoje em dia ele não dorme mais tarde. Será que ele emburreceu?

III.

Toda psiquê é possuída de mecanismos de defesa, sem os quais seria impossível sobreviver os massacres diários da vida. Precisamos ter um sentido de identidade consolidada, senão não dá pra aguentar seu chefe cretino: "eu posso ser um reles empregado, mas pelo menos não sou um babaca que nem ele". O problema é que o pai do PH foi ausente ou fraco, ele prestava mais atenção ao futebol e à secretária dele do que aos próprios filhos. Resultado: o PH nunca aprendeu a superar os mecanismos de defesa, ele ficou subserviente a eles, a mãe dele disse que ele podia ser qualquer coisa e o pai dele não disse porra nenhuma e agora ele acha que precisa ser tudo, sem ser nada.

O PH aprendeu que ele pode escolher o que ele quiser, o que parece lindo, mas o problema é que ninguém ensinou pra ele COMO escolher. Depois ele se encontra fazendo inscrição no vestibular, sem nunca se perguntar pra que diabos serve essa merda de vestibular, não, os pais dele sempre reforçaram que o importante era ele passar no vestibular, senão não ganhava carro, e como ele não aprendeu a escolher ele deixa os outros escolherem por ele. E ele escolhe uma engenharia qualquer, meio arbitrariamente, porque aí a mãe dela ia poder se gabar pra vizinha: meu filho passou em engenharia! E daí?

Anos depois, o PH tá miserável na engenharia, ele só estuda pra não receber bronca dos pais por bombar mais uma matéria. Estuda porra nenhuma, memoriza. Ninguém ensinou ele a estudar também. Só que largar o curso tá fora de cogitação, todo mundo ia ver que ele não é "inteligente" nem "responsável". A mãe ia ficar horrorizada. "Tudo bem, eu vou fazer um concurso, aí depois que eu passar eu posso descobrir quem eu sou." Resultado: mais alguns meses ou anos de memorização inerte, um concurso nada meritocrático, dois semestres de francês, uma viagem pra Europa, algumas aulas de violão, e a percepção que ele tá mais perto dos 40 do que longe.

O que nos leva a um ponto crucial no artigo:

IV.

"A pesquisa também afirma que  as pessoas que ficam acordadas até tarde são menos confiáveis e mais propensas a sofrer de depressão e vícios diversos."

Ele nunca vai admitir isso pra ninguém, mas o Pedrinho sabe que no fundo ele não é confiável e que ele é deprimido e viciado em pornô/bebida/maconha/videogame. Ele racionaliza/projeta que quem não é confiável é o Malafaia, é o Sarney. Mas ele sabe que no fundo esse "estudo" tá falando dele, que não precisa se preocupar com a depressão e o vício porque ele é "inteligente", e ele pode falar isso pra mãe, que conta pra vizinha que sim, meu filho dorme absurdamente tarde, mas isso só mostra que ele é inteligente (NB. como ela sabe que não fez merda nenhuma na vida, ela usa o filho pra se redimir).

Ou seja, ele ainda faz tudo pra manter a identidade que passaram pra ele, de que ele é inteligente porque ele tirou nota 10 na prova de ciência da 5a série. Já que ele nunca se preocupou em procurar uma identidade própria, já que ele recebeu tanto reforço positivo pra ser quem mamãe queria que ele fosse (tudo que ela não foi), ele não consegue se imaginar sendo outra coisa. O artigo e punhetas parecidas são o que faz com que o Pedro Henrique não tome duas caixas de Dorflex, ao mesmo tempo em que impedem que ele reconheça que ele não é tão "inteligente" assim, mas que não tem absolutamente nada de errado com isso.
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