segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Escola no DF promete que forma bons soldadinhos

I.

Compare uma sala de aula com o escritório do Einstein

Recentemente, uma escola particular no DF passou a incluir no currículo aulas que supostamente preparam os alunos para concursos públicos. Olha, eu concordo que as escolas no Brasil, de maneira geral, focam excessivamente em matérias de exatas, e ainda têm uma abordagem totalmente retrógrada. Só que a criança tem que aprender sobre direito na aula de filosofia, não na aula de "cidadania". Você sabe que tá sendo enrolado quando a pessoa começa a falar de cidadania: não é o que você pode fazer pela sociedade, mas o que a sociedade pode fazer por você, ou seja, que que eu tenho que fazer pra agradar ao superego e ganhar minha recompensa?

A obsessão louca que ocorre nesse país, sobretudo em Brasília mas em toda parte, é um sintoma da falta de colhões do brasileiro*. Todo mundo se acha esperto, mas na hora do vamo ver corre rapidinho pros braços da mamãe. Que fico claro que é óbvio que é preciso de gente pra administrar o governo, e que tem gente que gosta disso e que é bom nisso. O problema é que é muito fácil. Não que seja fácil fazer espeleologia na infindável burocracia do governo, mas que se você é funcionário (vitalício!) do governo você não corre risco nenhum, e se você não corre risco nenhum, parabéns, o superego ganhou e sua vida vai ser confortável e infeliz até o fim.

O próprio sistema de educação é um fruto da nossa dependência da aprovação do papai. Eu já expliquei como o vestibular é retardado, mas o vestibular é só um exemplo de um sistema que constantemente reforça que a resposta correta está na autoridade, e não na verdade. Nas provas, não há subjetividade, não há pontos de vista diferentes, não, tá tudo já respondido e explicado. Só V ou F ou múltipla escolha. Pensa bem, a resposta à pergunta "qual é a raiz quadrada de 49?" não é 7, é "letra c)". Foda-se o que você acha, o que a escola quer saber não é se você pensa ou não, ou faz isso bem ou mal, é se você memorizou o que ela passou pra você.

Enquanto os pedagogos tão se preocupando com "inclusão social" ou abstrações do tipo, o Sistema ri ao ver você fazer tudo por ele. Você coloca seu filho na escola não porque ela vai ensinar ele a ser uma pessoa integrada, desenvolvida e individuada mas porque ela vai dar a ele mais chances de passar no vestibular ou no concurso público. No fundo, você tá é pouco se fudendo pra felicidade e pra qualidade de vida (não, não tem nada a ver com dinheiro) do seu filho, você quer é que ele reflita bem em você, "meu filho é muito inteligente, ele passou no concurso da prefeitura, obviamente eu criei ele bem". Puta merda como essa expressão "criar filho" me dá asco.


II.

Perceba que essa chantagem toda que os pais fazem passa a mensagem à criança de que o amor a elas é condicional. Você fala pro seu filho que ele só ganha carro se passar na federal, e ele ouve que você só vai amar ele se ele fizer o que você mandar. Ele vai passar a vida inteira achando que se ele desagradar o chefe ou a figura de autoridade que seja, ele não vai ganhar o que ele que ele quer, o que na verdade dificilmente vai ser o que ele realmente quer mas o que ele aprendeu que deveria querer.

No fundo, os pais de hoje em dia tão é acabando com a liberdade de escolha dos filhos. Os filhos só vão receber afeto se forem bem na escola (que por sua vez não é um julgamento dos pais, mas sim da escola - e como você sabe que a escola tá medindo bem o desenvolvimento do seu filho? Uma dica: ela não tá), se passarem no inglês (é claro que vão passar, escola de inglês não reprova porque não quer perder os alunos), etc. Aí, de duas uma: ou eles abaixam a cabeça e fazem tudo certinho, ou se rebelam de vez e buscam o afeto na boca de fumo. Muitas vezes é uma mistura dos dois, na verdade, olha a bacanália que é um churrasco de universitário - um monte de gente desesperada com tanto peso nas costas que precisa encher o cu de cana e transar com qualquer um pra aliviar a pressão só um pouquinho.

Você já parou pra se perguntar por que que o brasileiro é tão pouco empreendedor? Não, não é o tanto de imposto que você tem que pagar, porque quem decide isso é você, se você tá cansado de pagar tanto imposto então para de votar pros políticos que passam esses impostos**. O brasileiro não é empreendedor porque empreendedorismo significa tomar certos riscos, e se ele arriscar e der merda ele pode perder a aprovação dos superiores que ele tanto busca. Empreendedorismo significa apostar na sua ideia, significa fazer sacrifícios e trabalhar duro pela sua ideia. Mas pra trabalhar duro de verdade tem que ser apaixonado, obcecado, a gente ainda tá aí apaixonado por nós mesmos, enquanto deveríamos estar apaixonados pelo trabalho que fazemos.

Se não há amor incondicional, não há liberdade de escolha. A criança precisa saber que a família dela vai tar lá pra ajudar ela se tudo der errado, e que não tem problema se tudo der errado, o amor sempre vai estar lá. Se a pessoa sente que tem que agradar os pais/o Sistema de alguma forma, ela não vai fazer o que ela deseja, mas sim o que o outro deseja. O livro arbítrio sempre existe, mas em muitos casos ele está encoberto por uma série de responsabilidades e deveres externos. "Mas eu vou amar meu filho mesmo se ele não passar no concurso". Tá, pode até ser, eu tenho minhas dúvidas, mas digamos que seja verdade. Isso não importa, porque não é isso que você diz pro seu filho, você diz que ele tem que passar no concurso, desgraça.


III.



E vem cá, vamo combinar, você acha que a escola tá dando aula de direito pro seu filho porque vai ser bom pra ele, ou porque vai fazer com que mais pais bitolados e inseguros ponham seus filhos na escola? Fala o que você quiser da escola pública, que o ensino lá é uma merda (mais uma vez, porque você deixa ao eleger babacas que querem que você permaneça burro), mas pelo menos lá o foco deles é o ensino e não o lucro. Você compra uma camiseta do uniforme da escola por R$45 e acha que é porque aí tem menos chance do seu filho sofrer bullying, o que é claro é uma noção profundamente idiota. Você acha que pagou pro seu filho se dar bem, mas na verdade só pagou a entrada da BMW do dono da escola.

Sabe pra que serve uniforme? É pra estimular conformidade. Olha os outros ramos que usam uniformes: o exército, a polícia, advogados. Todos ramos em que tudo gira em torno de seguir regras. É claro que militares e advogados têm seus lugares na sociedade, mas na escola isso não tem o menor cabimento. Racionalize como quiser, mas quem usa uniforme é quem é mandado.



* 'brasileiro' aqui quer dizer brasileiro de classe média ou alta de pelo menos segunda geração, porque o cara que acabou de comprar a primeira geladeira não vai ler esse blog

** sim, eu sei que não é tão simples, mas um povo tem o governo que merece

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Uma distinção crítica

I.


O que acontece com o machismo quando só tem homem?

É bem comum ver por aí artigos escritos em sites feministas, ou até em jornais e revistas, falando de estupro e machismo e de como o patriarcado é isso ou aquilo. Infelizmente, também é muito comum que a ideologia das pessoas sequestre as histórias para reafirmar suas pautas. É o que acontece aqui:


Primeiro, eu não sei por que raios ela mudou o título do artigo, o url original indica que era "Estupro, o que nunca será sexo", o que é muito mais pertinente do que uma pergunta nebulosa, mas enfim. Nesse ponto ela tem razão: se um não quer, dois não transam.

Mas vamos ao que interessa. A autora fala sobre uns casos horríveis de estupro e assassinato, beleza, esses caras têm mais é que se fuder mesmo, o que é claro raramente acontece no Brasil. E aí vem o sequestro: ela afirma que o que os casos tem em comum é que são crimes de gênero. Errado. Crime de gênero é assédio sexual. Assassinato é assassinato e estupro é estupro.

Fica bem claro que, pressupondo que os fatos noticiados não foram distorcidos, o que também não acontece, aqui a gente não tá lidando com machista ou com o patriarcado ou que seja, a gente tá lidando com psicopatas. Há uma distinção bem nítida. É a mesma coisa que pegar um caso de um branco que assassinou um negro e dizer que foi crime de raça. Claro que pode ter sido, mas pode não ter sido também, você não tem a menor ideia do que se passa na cabeça de um assassino.

No caso do estupro, bom, homens também são estuprados, você só não fica sabendo porque ninguém posta no "Moça você é machista". A patologia do estupro tá relacionada ao poder, não à sexualidade. O "sexo" é apenas uma arma usada pelo estuprador pra exercer seu poder sobre a vítima. Acontece que as mulheres são justamente as que têm mais dificuldade em se defender (não devido a sua natureza, mas devido à educação que receberam). Tanto que, na prisão, onde a lei da selva tende a predominar, como não tem mulher, eles estupram os homens mais fracos.


II.

A autora nos diz:

"O assédio na rua, conhecido de todas as mulheres brasileiras (ou quase todas), não chega perto do sofrimento dos estupros e assassinatos que tomaram a mídia. Mas tem em comum com eles, no pano de fundo, a ideia corrente de que nós mulheres somos apenas corpos sem desejo próprio e, pior, disponíveis."

Não, não, não, não, não, não, não. Os dois fatos não têm nada em comum. O estuprador é um psicopata. O que faz o tal assédio na rua é um narcisista. É muito importante que isso fique muito claro, porque conflacionar os dois só serve pra avançar uma ideologia. É importante porque a mulher que vai pular carnaval precisa saber distinguir entre os dois e estar preparada pra lidar com os dois. Não, não, isso não é culpa da mulher, se uma mulher é assediada ou estuprada a culpa sempre é de quem atacou. Só que pensa desse jeito, um cara que faz algum esporte violento, tipo futebol americano ou boxe. Ele sabe muito bem dos riscos de lesão que ele corre, e que inclusive pode acontecer de ele ficar paraplégico ou até morrer. Mas ele assume esses riscos porque a recompensa, seja qual for, é maior. É o mesmo com quem vai pra folia: você sabe que há um risco de ser assediada ou até estuprada, mas assume esse risco porque a diversão compensa. O jogador de futebol americano, pra tentar diminuir os riscos, usa uma verdadeira armadura pra se proteger. A mulher deveria fazer o mesmo: saber se defender, saber reconhecer um psicopata, etc.

O problema da abordagem de ficar chamando todo mundo de machista é que o narcisista nunca vai reconhecer que é machista, e o psicopata não tá nem aí pra isso. Se você chega prum cara vestindo abadá e bebendo Kaiser quente e acusa ele de machismo, ele vai fazer o que qualquer um faz quando é atacado, assumir uma posição defensiva, tornar-se mais rígido ainda. Você não vai conseguir mudar a cabeça dele, mas talvez você consigo mudar a cabeça da mulher que foi assediada por ele encorajando-a a se valorizar e se defender, e se defender quer dizer coisas completamente diferentes dependendo do assediador ser um psicopata ou apenas um narcisista (e se possível as nuâncias, nada é preto e branco infelizmente).


III.


Como que eu sei que isso tudo é pura ideologia?

"Tremo de indignação, como diria Che, num mundo como este."

Ah, não sabia que o Che Guevara era teu broder, pra ficar chamando ele pelo primeiro nome apenas. Citar o Che Guevara pra falar da injustiça de um assassinato mostra que ela não tá pensando no Che Guevara, assassino (se os fins justificam os meios é um debate pra outro dia), que existiu, ela tá pensando no Che Guevara da camiseta vermelha que ela tem, que nunca existiu.

A ironia disso tudo é que ela acaba fazendo exatamente a mesma coisa que ela critica na Veja ou na Globo.
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