quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Uma distinção crítica

I.


O que acontece com o machismo quando só tem homem?

É bem comum ver por aí artigos escritos em sites feministas, ou até em jornais e revistas, falando de estupro e machismo e de como o patriarcado é isso ou aquilo. Infelizmente, também é muito comum que a ideologia das pessoas sequestre as histórias para reafirmar suas pautas. É o que acontece aqui:


Primeiro, eu não sei por que raios ela mudou o título do artigo, o url original indica que era "Estupro, o que nunca será sexo", o que é muito mais pertinente do que uma pergunta nebulosa, mas enfim. Nesse ponto ela tem razão: se um não quer, dois não transam.

Mas vamos ao que interessa. A autora fala sobre uns casos horríveis de estupro e assassinato, beleza, esses caras têm mais é que se fuder mesmo, o que é claro raramente acontece no Brasil. E aí vem o sequestro: ela afirma que o que os casos tem em comum é que são crimes de gênero. Errado. Crime de gênero é assédio sexual. Assassinato é assassinato e estupro é estupro.

Fica bem claro que, pressupondo que os fatos noticiados não foram distorcidos, o que também não acontece, aqui a gente não tá lidando com machista ou com o patriarcado ou que seja, a gente tá lidando com psicopatas. Há uma distinção bem nítida. É a mesma coisa que pegar um caso de um branco que assassinou um negro e dizer que foi crime de raça. Claro que pode ter sido, mas pode não ter sido também, você não tem a menor ideia do que se passa na cabeça de um assassino.

No caso do estupro, bom, homens também são estuprados, você só não fica sabendo porque ninguém posta no "Moça você é machista". A patologia do estupro tá relacionada ao poder, não à sexualidade. O "sexo" é apenas uma arma usada pelo estuprador pra exercer seu poder sobre a vítima. Acontece que as mulheres são justamente as que têm mais dificuldade em se defender (não devido a sua natureza, mas devido à educação que receberam). Tanto que, na prisão, onde a lei da selva tende a predominar, como não tem mulher, eles estupram os homens mais fracos.


II.

A autora nos diz:

"O assédio na rua, conhecido de todas as mulheres brasileiras (ou quase todas), não chega perto do sofrimento dos estupros e assassinatos que tomaram a mídia. Mas tem em comum com eles, no pano de fundo, a ideia corrente de que nós mulheres somos apenas corpos sem desejo próprio e, pior, disponíveis."

Não, não, não, não, não, não, não. Os dois fatos não têm nada em comum. O estuprador é um psicopata. O que faz o tal assédio na rua é um narcisista. É muito importante que isso fique muito claro, porque conflacionar os dois só serve pra avançar uma ideologia. É importante porque a mulher que vai pular carnaval precisa saber distinguir entre os dois e estar preparada pra lidar com os dois. Não, não, isso não é culpa da mulher, se uma mulher é assediada ou estuprada a culpa sempre é de quem atacou. Só que pensa desse jeito, um cara que faz algum esporte violento, tipo futebol americano ou boxe. Ele sabe muito bem dos riscos de lesão que ele corre, e que inclusive pode acontecer de ele ficar paraplégico ou até morrer. Mas ele assume esses riscos porque a recompensa, seja qual for, é maior. É o mesmo com quem vai pra folia: você sabe que há um risco de ser assediada ou até estuprada, mas assume esse risco porque a diversão compensa. O jogador de futebol americano, pra tentar diminuir os riscos, usa uma verdadeira armadura pra se proteger. A mulher deveria fazer o mesmo: saber se defender, saber reconhecer um psicopata, etc.

O problema da abordagem de ficar chamando todo mundo de machista é que o narcisista nunca vai reconhecer que é machista, e o psicopata não tá nem aí pra isso. Se você chega prum cara vestindo abadá e bebendo Kaiser quente e acusa ele de machismo, ele vai fazer o que qualquer um faz quando é atacado, assumir uma posição defensiva, tornar-se mais rígido ainda. Você não vai conseguir mudar a cabeça dele, mas talvez você consigo mudar a cabeça da mulher que foi assediada por ele encorajando-a a se valorizar e se defender, e se defender quer dizer coisas completamente diferentes dependendo do assediador ser um psicopata ou apenas um narcisista (e se possível as nuâncias, nada é preto e branco infelizmente).


III.


Como que eu sei que isso tudo é pura ideologia?

"Tremo de indignação, como diria Che, num mundo como este."

Ah, não sabia que o Che Guevara era teu broder, pra ficar chamando ele pelo primeiro nome apenas. Citar o Che Guevara pra falar da injustiça de um assassinato mostra que ela não tá pensando no Che Guevara, assassino (se os fins justificam os meios é um debate pra outro dia), que existiu, ela tá pensando no Che Guevara da camiseta vermelha que ela tem, que nunca existiu.

A ironia disso tudo é que ela acaba fazendo exatamente a mesma coisa que ela critica na Veja ou na Globo.

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