segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Quem irá nos salvar da pornografia?

I.

Olha, existem inúmeros problemas na forma com a qual lidamos com a pornografia. A pornografia, sobretudo os vídeos na internet, nos treinam a ligar o prazer a processos mentais ao invés de estímulos sensoriais. Ela se tornou uma rotina na vida de muitos indivíduos em nossa sociedade pós-moderna. O pornô é junk food, é comer sem estar com fome. A decisão de assistir o pornô vem antes da ereção e portanto deixa as pessoas presas nas próprias cabeças, sem conexão com o presente real.

Mas, pra variar, a causalidade tá toda errada. É muito fácil falar de como a Coca-Cola é uma merda, corporação de merda, blablabla, mas no final das contas a decisão de beber Coca ou não é sua. Ninguém apontou uma arma na tua cabeça e mandou você detonar o Cheetos. A proliferação do pornô é uma consequência do psiquismo do ser humano pós-moderno, é um reflexo de como preferimos lidar com a sexualidade.

"Só mais um pouquinho"


Aqui o pornô é o responsável não só pelos problemas físicos e emocionais de meninas inglesas como também pelo machismo do meninos. O pornô agora é só mais um item numa longa lista de bodes expiatórios. Se a culpa é do pornô, então eu, como pai e educador, não sou responsável pelos problemas dos meus filhos. Reparem que esse tipo de artigo serve exatamente pra reforçar nossa crença de que somos pais exemplares e que as dificuldades de nossos filhos não têm a ver conosco. Se o Joãozinho manda bem, é porque tem ótimos pais, mas se manda mal é culpa da pornografia.

II.

Esse artigo é só um exemplo, mas é um exemplo bom porque mostra a desconexão entre o mundo das ideias, no qual tudo tem uma explicação simples, e o mundo real caótico. Vejam o título: "a pornografia tornou o panorama da adolescência irreconhecível". Será que eu aprendi errado o que é panorama?

1. Panorama

Visão ampla e abrangente sob todos os ângulos de coisas ou assuntos.


Tu olhou pra adolescência sob todos os ângulos e não reconheceu nada? Não, eu entendo o que tu quis dizer, mas cara, presta atenção no que tu tá escrevendo. Mas bom, trouxa sou eu se for ficar reclamando que escritores usam linguagem dramática pra chamar atenção, até porque eu faço a mesma coisa, o problema é que a pessoa tinha uma imagem na cabeça que queria transmitir (= mundo das ideias) e claramente não se preocupou com a interpretação que os outros fariam daquela frase (= mundo real).

Enfim, o grande choque é que senhoras inglesas ficam horrorizadas com o comportamento sexual dos adolescentes hoje em dia, pois é, fiquei de cara também.

Uma médica de família me contou uma história dessas recentemente. Leitores com estômago fraco podem querer desviar o olhar agora.

Pois é, é terrível, melhor ir pro Buzzfeed e ler sobre 25 Cirurgias Plásticas Que Derram Errado

Estava jantando com um grupo de mulheres quando a conversa foi para como podemos criar filhos e filhas felizes, equilibrados e capazes de formar relacionamentos significativos em uma era em que a pornografia de internet é tão acessível quanto um copo d'água. Assim como outros pais da nossa geração, estávamos numa jornada sem mapas ou luzes, mesmo que nosso instinto de proteger nossos filhos da escuridão fosse enorme.

Bom, primeiro, se você acha que o mais importante na vida do seu filho é felicidade, o buraco é realmente bem lá em baixo. Sim, a felicidade é legal e tal, mas a felicidade é uma ideia, uma ideia que o mundo real tem o hábito de impedir com uma facilidade desgraçada. Seu objetivo como pai deve ser preparar seu filho pra viver nesse mundo, a felicidade dele é responsabilidade dele, não sua. Volta aquela dinâmica: meu filho é feliz, é porque eu criei ele bem, mas ele é deprimido ou raivoso isso é culpa dos outros. Isso é tudo um jogo de identidades, o que essas mulheres querem é só o rótulo de "boa mãe", elas não tão nem aí pro que é ser mãe de verdade. E ainda tem as caras de dizer que é uma "jornada sem mapas ou luzes", como se a internet, que ela acabou de descrever como tão acessível quanto água, não existisse.

Algumas mulheres presentes disseram que já se forçaram a ter conversas constrangedoras sobre esse assunto com seus filhos adolescentes. "Eu quero que meu filho saiba que, apesar do que ele assiste no laptop, existem coisas que não se faz com uma garota no primeiro encontro, nem no quinto, talvez nunca",disse Joe.
"Grupo de mulheres", "algumas mulheres", mas até o sei "Joe" não é nome de mulher. Mais uma vez, desconexão entre o discurso e o real. E se sexo é tão desconfortável pra você que você tem que se 'forçar' a ter conversas 'constrangedoras', como que não vai ser pra sua filha? Se o sexo não é discutido com naturalidade, ele não vai ser feito com naturalidade.

Uma clínica geral, vamos chamá-la de Sue, disse: "Receio que as coisas estejam muito piores do que as pessoas imaginam"
É uma médica falando, podemos ter certeza que não vai dizer besteira, o diploma dela diz que ela é inteligente. Sim, o mundo tá acabando, entendi.

Basicamente, essas mulheres estão hor-ro-ri-za-das com o aumento das lesões sexuais e emocionais sofridas pelas adolescentes inglesas. E olha, eu não quero diminuir o sofrimento dessas meninas, mas vamo ter um pouco de perspectiva histórica, né. Só o fato dessas meninas poderem ir a um médico cuidar disso já faz a civilzação valer a pena. Mas o que tá acontecendo aqui não é uma busca das verdadeiras causas dos problemas das meninas, não, é tudo um jogo de identidade:

A clínica de Sue não fica em uma cidade do interior onde crianças foram brutalizadas ou vieram de culturas onde tal pratica é usada como contraceptivo.

Não, a Sue mora em Hampshire, ela é uma mulher educada, rica, poderosa. É inconcebível que essas coisas aconteçam em nossa sociedade civilizada, estupro é coisa de caipira, de índio. Quando a vida real bate na nossa porta e quebra nossas auto-imagens, de repente o mundo fica preto e branco e a culpa é da representação do demônio du jour: um tempo atrás as bruxas, hoje em dia a Sasha Grey. Lembrem-se, no entanto, que é exatamente isso que os arcontes querem, essa é a arma mais eficaz do fascismo: a invenção de um mal no qual podemos projetar todos nossos problemas, dos quais o ditador benevolente vai nos proteger.

Exatamente o tipo de menina que, apenas duas gerações atrás, estaria provavelmente fazendo balé e sonhando com o primeiro beijo, e não sendo coagida a fazer sexo violento por um moleque que aprendeu sobre intimidade física assistindo um vídeo de sexo em público no celular.

Lúcifer encarnado


Mas isso é culpa do adolescente? É culpa do pornô? Ou será que é culpa de pais que são tão distantes que sequer discutem esse tipo de coisa com os meninos? Reparem como há um tom de que essas questões sexuais podem causar arrepios e calafrios, como ter uma conversa honesta com um adolescente com esse tipo de atitude? A internet tá só preenchendo um buraco deixado pela família.

Pesquisadores dizem  que as causas também incluem  o desejo de alcançar um padrão de beleza irreal, perpetrado pelas mídias sociais  e o aumento na sexualização de meninas mais jovens.

Ah, tava demorando pra citar o outro demo, as 'mídias sociais'. Porque antes não haviam padrões de beleza, isso é coisa de Facebook. Antes do Instagram, as pessoas tinham uma ótima auto-imagem. Maldito Zuckerberg!

O que é novo e perigoso é a habilidade de postar selfies e esperar que a enxurrada de aprovação venha. Você não precisa passar muito tempo com uma garota adolescente insegura (e existe outro tipo?) pra saber que sua felicidade está ligada a ganhar likes ou coraçõezinhos no Facebook ou Instagram.

Se essa menina adolescente precisa de aprovação externa, é porque foi isso que ela aprendeu em casa. Os filhos são constantemente bombardeados com expectativas da parte dos pais e da família, são treinados a agirem de acordo com o ideal cultural dos pais, e depois surpreende que eles se preocupem com o que os outros acham. Quem condicionou seu filho a buscar aprovação foi você, porque em vez de aceitá-lo como ele é, você o força a se encaixar num padrão que não prejudica a tua auto-imagem. Você diz pra sua filha que ela só vai ganhar o brinquedo se tirar nota boa, mas a culpa é da indústria dos brinquedos, da Disney, sei lá.

Somos nós que estamos ensinando às crianças que a aprovação delas depende da imagem que elas passam. É por isso que provas são tão centrais a nosso sistema ocidental de educação: eu sei que meu filho é inteligente não porque eu converso com ele pra saber suas ideias e o desafiar, mas porque ele tirou 10 na prova de ciência. Eu posso mostrar pro meu vizinho que meu filho é inteligente, e certamente sou responasável por isso. Não é o Facebook que faz teu filho buscar aprovação externa, são as tuas cobranças, você tava interferindo no psiquismo do seu filho muito antes dele ter qualquer contato com a internet.

Isso explica porque na Inglaterra mais de 4 em 10 garotas, entre 13 e 17 anos, dizem que já foram coagidas a fazer atos sexuais, de acordo com a maior pesquisa europeia sobre experiências sexuais adolescentes.

Os cientistas vêem isso como sintoma de uma sociedade doente, sei lá o que, mas eu vejo isso como progresso, porque já houve a época em que 10 em 10 garotas entre 13 e 17 anos eram coagidas a fazer atos sexuais. Mas progresso não vende, então tem que ser um desastre nacional.

1 em cada 5 garotos apresentaram "atitudes extremamente negativas contra as mulheres"

Isso se chama machismo, e o pornô que tem por aí é reflexo de uma cultura machista, não foi o pornô que fez teu filho não saber lidar com mulheres, isso ele aprendeu em casa. Reparem que eles não explicam o que são 'atitudes extremamente negativas, mas números! Ciência!

III.

A solução pra nossos problemas


Quando lemos um texto, precisamos sempre nos perguntar: o que o autor quer que seja verdade? Esse tipo de texto existe somente para prover um alvo para nossa bile e nossa raiva. "É um absurdo, precisamos fazer algo para acabar com isso!" Aí o político aproveita sua revolta, passa legislação proibindo certos sites, e sua liberdade diminui a cada dia.

Pára pra pensar, você criou uma filha que não sabe dizer 'não' pro namorado e a culpa é do pornô? Você, supostamente feminista, é tão ausente na vida da sua filha que ela precisa literalmente dar a bunda pra conseguir um mínimo de afeto? Nossos filhos aprendem com nossos comportamentos, não com nossos discursos. Sua filha não sabe dizer 'não' pro namorado da mesma forma que você não sabe dizer 'não' pra corporação que quer que você trabalhe no domingo. Ainda bem que dá pra culpar a Dilma.

É impossível mudar a sociedade sem que mudemos nós mesmos antes. Se criamos nosso filhos para aceitarem que a vontade deles não tem vez, apenas a dos pais, não podemos nos surpreender depois quando esses filhos se submetem à autoridade externa. Ou seja, sua filha não pode dizer 'não' pra você quando você obriga ela a fazer aula de violino, como que ela vai dizer 'não' pro namorado? Queremos empoderar as meninas, mas sentimos necessidade de moldar suas vidas de acordo com nosso próprios ideais absurdos.

Enquanto não tivermos a coragem de olhar pra nós mesmos antes de responsabilizarmos o demônio da moda, todos nós tomaremos no cu.









terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Como a Veja alivia sua culpa

I.

O capeta em ação

Essa é mais antiga, sexting já não é mais novidade pra ninguém, mas é sempre engraçado ver a Veja falando sobre sexo:


Primeiro, o óbvio: eles restringem a discussão aos adolescentes, dessa forma quem lê a Veja já pode começar com o bom e velho "esses adolescentes de hoje..." Se você acha que sua avó não fazia putaria quando tinha 15 anos, tá na hora de você embebedar ela e pedir pra ela relembrar dos bons tempos. Outro resultado é que a mulher de 35 anos que faz a mesma merda que os adolescentes não se sente incluída na discussão, deixando a culpa que ela sente por sentir prazer recalcada no inconsciente. Se essa culpa vem pro consciente você percebe facilmente que ela é uma ferramenta usada pra te manter escravizado.

Não deveria ser necessário, mas devo alertar que estudos de universidade tendem a seguir uma (i)lógica generalizante (é claro que só de ver que o artigo todo é baseado num estudo nos Estados Unidos dá vontade de arremessar o laptop pela janela, mas aí eu lembro que o laptop também serve pra ver pornô, então eu venho falar palavrão num blog anônimo mesmo). É a mesma lógica deturpada dos psicólogos evolucionários: vamos pegar um estudo com 50 alunos de uma universidade e generalizar para toda a raça humana. Se alguém te fala "você pensa assim", tome cuidado, tome muito cuidado.

Mas de certa forma, o estudo acaba que se aplica à família do leitor da Veja. Eles podem não ser americanos (se você me corrigir com "estadunidense", eu vou envenenar sua pasta de dente), mas com certeza eles acham que são. O leitor da Carta Capital, por outro lado, que tá lendo a Veja pra se achar superior - convenhamos, a Veja é um alvo fácil - vai ver um motivo pra fazer chacota dos americanos. Chamar o outro de pervertido é fácil, quero ver quem vai ter coragem de olhar pra própria perversão.


II.

A seguir, uma lista de conclusões às quais os pesquisadores chegaram. Eu lembro aqui que esses caras receberam milhares, senão milhões, de dólares pra falar essas merdas, e esse blog é de graça.

  • "A principal [pista] é que o sexting tem um vínculo com a prática 'real' do sexo."
  • "Ainda não sabemos se é o sexting que leva ao sexo ou vice-versa, mas a prática de compartilhar essas imagens íntimas parece ser um bom indício de comportamento sexual."

  • "Se um adolescente está enviando SMS com fotos ousadas, provavelmente já está fazendo sexo."

  • "Normalmente, o sexting é direcionado a uma pessoa específica, com quem o adolescente já namora – ou gostaria de namorar."


Pressupõe-se que, se é preciso de um time de doutores pra explicar isso, o público-alvo dessa pesquisa nunca foi adolescente. E os risos não param aí: o líder da pesquisa (afinal, quem melhor do que um velho pra entender a sexualidade de um adolescente) nos explica que o fenômeno é mais comum com celulares porque é quase instantâneo, enquanto que ao enviar um e-mail com as fotos anexadas o adolescente tem mais tempo para refletir sobre o que faz. Temos então um velho, que deve escrever e-mail que nem o pai dele escrevia carta, que claramente não tem ideia que adolescente só usa e-mail pra se registrar no Facebook.


III.

O primeiro sext

Voltemos uns 6 mil(hões) de anos, pro Éden. Eva come o fruto proibido após ouvir os tentadores sussurros da cobra. Na verdade a gente não voltou no tempo porra nenhuma, a Bíblia não é um documento histórico, é um manual de psicologia (ocidental). A história do pecado original descreve a origem do sentimento de culpa que é responsável por (quase) todas as mazelas da sociedade - e paradoxalmente pelo seu progresso também, ordo ad chao* e tudo mais.

A questão é que o desejo pode ser reprimido, mas ele não pode ser apagado. Ou seja, os arcontes** te convenceram que o prazer é algo do qual devemos nos sentir culpados, assim a nossa libido deixa de ser aplicada ao nosso próprio corpo ou mente, ou aos nossos relacionamentos, e são direcionados ao interesses deles. É por isso que você trabalha de graça até maio.

Como a culpa não é um sentimento nem um pouco legal, a gente tende a projetar ela. Portanto, Adão diz que a culpa foi da Eva, e Eva diz que a culpa foi da cobra (do pênis), e assim ninguém olha pra própria culpa pra ver como ela é idiota. Quem é, afinal, esse Deus que diz que "comer o fruto da árvore do conhecimento" é motivo pra sentir culpa? E não é engraçado que esse fruto do conhecimento é justamente o gozo?

E o que isso tem a ver com o sexting? A jornalista (e eu uso esse termo com muita relutância) da Veja é a Eva botando jogando a culpa que ela sente na cobra, no caso o menino que foi preso. O cara que tá lendo esse artigo porque não só ele alivia essa maldita culpa ("não sou eu que tou sentindo tesão, é o adolescente da matéria") como também acaba "explicando" o sexting que a filha dele faz como sendo resultado de alguma tendência social além de seu controle, ao invés de como resultado de sua incompetência como pai.


IV.

Lembra que que aconteceu depois que Adão e Eva foram expulsos do Paraíso? Eles tiveram dois filhos, que herdaram o pecado original, e um deles acabou matando o próprio irmão. Em outras palavras, mais uma vez, é impossível eliminar a libido, apenas redirecioná-la. De fato, é um imperativo natural que a libido seja desviada, pois o primeiro desejo é sempre pela mãe (endogamia), e a seleção natural favorece o desejo pelo Outro (exogamia). Só que a ideia de que o prazer é algo de errado faz com que neguemos até o Outro, e esses impulsos se tornam externamente criativos ou destrutivos.

A negação da sexualidade dos adolescentes (e das crianças) serve uma função dupla: ela não só garante uma fonte infindável de energia barata como também nos fornece um alvo onde podemos projetar o desejo que sentimos dentro de nós e que queremos eliminar. Só que essa sexualidade sempre existirá, e se os pais não permitem que ela seja expressada naturalmente, ela irá se transformar em comportamentos imbecis como o sexting e o alcoolismo.

Portanto, quem é responsável pelo sexting não é o BBB nem o GTA nem o beijo gay do Félix, é o próprio leitor da Veja. Fingir que o sexo não existe nunca é uma boa solução: quanto mais você tenta esmagar o sexo no seu punho, mais ele vaza por entre seus dedos. Se você quer que sua filha pare de fazer sexting, prepara um jantar romântico pra ela e pro namorado, dá uma camisinha pra ela, e sai fora de casa.


V.

Não esqueça de dar a descarga

Nossa querida "jornalista" cita dois casos relacionados, como se dois exemplos isolados revelassem qualquer coisa. No primeiro caso, uma jovem americana se matou após seu ex espalhar as fotos nuas dela pela escola, só que ninguém vai prender os pais por homicídio culposo, porque puta que pariu, pode ter certeza que a culpa é deles muito mais do que do namorado. Ela só se matou porque eles deixaram ela acreditar que o corpo dela era motivo pra sentir vergonha. Enquanto isso, a mais recente "piranha" do BBB ganha milhões pra posar nua pra Playboy.

No outro caso, dessa vez no Brasil (só pra garantir que você não ache que é só coisa de americano), um menino de 18 anos foi preso por divulgar fotos que a namorada de 14 anos havia enviado pra ele. Eu não vou nem entrar na questão do bullying, eu já falei sobre isso, basta dizer que o coitado é claramente um pária, um alvo indefeso sobre o qual todos irão jogar suas angústias. Ele foi preso pra que o leitor da Veja possa projetar o desejo recalcado que ele sente pela amiga da filha sobre o jovem - dessa forma, ele sente alívio ao ver o menino ser preso, pois está simbolicamente punindo um aspecto de si do qual tem vergonha.

"Mas então você tá falando que é de boa o cara sentir tesão pela amiga da filha?" É claro que é de boa. O problema é se ele agir sobre esse tesão. Se ele fizer isso, eu vou o primeiro da fila no apedrejamento. No entanto, o mero fato de sentir desejo é algo que está completamente fora do alcance do controle consciente. Se você não acredita em mim, eu vou mandar a Paola Oliveira fazer um strip na sua frente e você tá proibido de ficar de pau duro. Sim, eu sei que a Paola não tem 14 anos, mas se eu falar de uma menina de 14 anos fazendo strip, você vai parar de prestar atenção no que eu tou falando. Viu?




* se você não sabe o que quer dizer, não espere que eu te dê a tradução, porra, aprende a se virar e procurar as coisas no Google - você que aprende, não é o outro que te ensina

** "arconte", ou agente do demiurgo (mais uma vez, usa a merda do Google) é um termo geral que descreve aqueles que não sentem culpa e cujo objetivo é hierarquizar a sociedade e se colocar no topo, que seja como CEO, presidente, bispo, estrela pop, etc.

domingo, 5 de janeiro de 2014

Rosa é para meninos: o marketing e a dissonância cognitiva

I.

O He-Man usava rosa, fica a dica

É de praxe aqui no Brasil, assim como em grande parte do mundo ocidental, que se dê roupas e brinquedos azuis para os meninos e rosas para as meninas. Você já parou pra se perguntar por quê? Não, para, não existe essa merda de "acaso", isso é só um mecanismo de defesa usado pela nossa psiquê devido à nossa incapacidade cognitiva de processar todas as informações que recebemos de nosso mundo caótico. Tem toda a questão de que o fato de distinguir entre os gêneros nas roupinhas reforça os papeis de gênero, etc, mas eu deixo esse assunto pras feministas.

O que interessa aqui é que isso existe porque, essencialmente, faz você consumir mais. Se você partir desse princípio de que toda ação de uma empresa, assim como a de um ser humano, é realizada para o benefício próprio, você vai ver como os filhos da puta te sacaneiam. A diferença entre uma empresa e um ser humano é que um ser humano é dotado de alma, moralidade, espiritualidade, enquanto que a única coisa que interessa à empresa é o dinheiro.

Mas enfim, como então que atribuir azul para os meninos faz você comprar mais? Dá uma olhada rápida na produção cultural e artesanal das diversas culturas ao redor do mundo, e rapidamente fica claro que a cor vermelha está associada ao masculino/positivo e a azul ao feminino/negativo. É só ver a ilustração de um ímã, porra. Vermelho é a cor da ação, do fogo, do excitamento; azul é a cor da reação, da água, da passividade, do resfriamento. Se você vai a um lugar quente, fica vermelho; se vai a um lugar frio, fica azul. Portanto, como essa associação tá gravada muito profundamente na nossa psiquê, nossa tendência natural é de associar os meninos ao vermelho. O que ocorre então quando vestimos nossos meninos de azul?


II.

É aí que entra a dissonância cognitiva. Ela é definida pela existência de sentimentos ou pensamentos paradoxais ou contraditórios em relação a um objeto. Ela ocorre, por exemplo, quando você come um Big Mac mesmo sabendo que é uma porcaria. O resultado da dissonância cognitiva é um aumento da insegurança e dos níveis de excitação. Nossas defesas se armam, ou seja, é algo do tipo "alguma coisa tá errada, Bob, saca teu revólver". Ficamos mais em alerta, o sangue flui para as extremidades.

E isso, é claro, nos torna mais propícios a consumir. "Hmm, não sei qual dos dois é melhor, acho que vou levar os dois". Comprar alguma coisa é que nem gozar, sabe aquela sensação de abrir a embalagem de um produto que você queria muito? Hmm, agora troca 'produto' por 'genital' e você vai começar a entender. Lembrando que amor e ódio são apenas as duas facetas da mesma moeda da libido, não há exemplo melhor disso que a carnificina que é o Black Friday (em breve, num shopping na sua cidade também!).

Haja fome

O Black Friday é o dia que segue o Dia de Ação de Graças, sempre comemorado numa quinta-feira. À exceção talvez do Natal, esse é o feriado que é mais associado com estar em família. No entanto, os americanos, de maneira geral, assim como os brasileiros estão se tornando, são muito desconexos de suas famílias. Eles são muito castrados (a maioria dos homens nos EUA é circuncidada, por exemplo, as mães cortam a amamentação cedo, etc) e portanto não criam laços familiares fortes. Quando chega um dia que remete à família, a dissonância cognitiva aumenta, e consumir alivia a tensão. O Black Friday se torna cada vez mais uma desculpa pra transferir todo o ódio que você tem pela sua família.


III.

Já deu vontade de comprar um Ray-Ban?

Voltando então para as roupinhas. As roupas de bebês sempre foram, de maneira geral, brancas, ou de uma cor neutral. De qualquer jeito, não havia distinção entre os sexos para as roupinhas. No final do século XIX, com a máquina capitalista se difundindo cada vez mais, começaram a fazer roupas separadas para meninos e meninas, pois assim os pais precisariam comprar todo um novo conjunto de roupas se o Juninho fosse ganhar uma irmã.

E veja bem: a tendência inicial foi atribuir as cores naturalmente. Nos anos 20, as grandes lojas recomendavam rosa para meninos e azul para meninas (rosa e não vermelho porque o vermelho pode ser agressivo/sexual demais, o que incomoda as pessoas de bons costumes ao ser associado a bebês). No entanto, a coisa se inverteu nos anos 40. Desde então, ficou essa associação azul-menino e rosa-menina. "Mas eu comprei roupinhas amarelas pro meu bebê!" E aí você vai pra casa toda orgulhosa por combater os estereótipos de gênero, mas se esquece que a palavra-chave da frase é 'comprei' - a C&A tá pouco se fudendo se você compra roupa amarela ou azul ou preta, contato que você compre.

Comprar uma roupinha azul pro seu filho causa, então, uma dissonância cognitiva em você. O "menino = azul" entra em choque com o "menino = vermelho" que foi implantado na sua psiquê milhares de anos atrás. Aí seu instinto é de procurar seu marido ou sua mãe (relaxa ae, pode voltar pra Marcha das Vadias, os homens também se sentem inseguros, todo mundo quer o colo de mamãe e a proteção do papai), só que seu marido tá comendo a secretária e sua mãe mora longe, resultado, um urso de pelúcia azul pro seu filho. Tá, não tem nada de moralmente errado com isso, só não vai bater nele quando ele começar a se roçar contra o ursinho, pelamordedeus.

Mas não caia na armadilha de achar que toda essa história de cores vai fazer alguma diferença. Pouco importa se você compra roupa azul ou roupa rosa, o que interessa é que você tá comprando, você ainda tá plugado na Matrix. O importante aqui é que você perceba que esses filhos da puta fazem isso não é só com as roupas não, é com tudo. O jogo deles é fazer você se sentir uma bosta pra continuar comprando e continuar seguindo as regras (que te fodem, aliás). Você compra roupa azul pro seu filho pelo mesmo motivo que você compra o creme anti-rugas da Avon: pra tentar satisfazer a grande mamãe-sociedade, que te alimenta de imagens inatingíveis. Eles nos dizem que ruga é feio, e a gente acredita, e se sente inseguro quando envelhece, e compra...ah, você entendeu.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Escola no DF promete que forma bons soldadinhos

I.

Compare uma sala de aula com o escritório do Einstein

Recentemente, uma escola particular no DF passou a incluir no currículo aulas que supostamente preparam os alunos para concursos públicos. Olha, eu concordo que as escolas no Brasil, de maneira geral, focam excessivamente em matérias de exatas, e ainda têm uma abordagem totalmente retrógrada. Só que a criança tem que aprender sobre direito na aula de filosofia, não na aula de "cidadania". Você sabe que tá sendo enrolado quando a pessoa começa a falar de cidadania: não é o que você pode fazer pela sociedade, mas o que a sociedade pode fazer por você, ou seja, que que eu tenho que fazer pra agradar ao superego e ganhar minha recompensa?

A obsessão louca que ocorre nesse país, sobretudo em Brasília mas em toda parte, é um sintoma da falta de colhões do brasileiro*. Todo mundo se acha esperto, mas na hora do vamo ver corre rapidinho pros braços da mamãe. Que fico claro que é óbvio que é preciso de gente pra administrar o governo, e que tem gente que gosta disso e que é bom nisso. O problema é que é muito fácil. Não que seja fácil fazer espeleologia na infindável burocracia do governo, mas que se você é funcionário (vitalício!) do governo você não corre risco nenhum, e se você não corre risco nenhum, parabéns, o superego ganhou e sua vida vai ser confortável e infeliz até o fim.

O próprio sistema de educação é um fruto da nossa dependência da aprovação do papai. Eu já expliquei como o vestibular é retardado, mas o vestibular é só um exemplo de um sistema que constantemente reforça que a resposta correta está na autoridade, e não na verdade. Nas provas, não há subjetividade, não há pontos de vista diferentes, não, tá tudo já respondido e explicado. Só V ou F ou múltipla escolha. Pensa bem, a resposta à pergunta "qual é a raiz quadrada de 49?" não é 7, é "letra c)". Foda-se o que você acha, o que a escola quer saber não é se você pensa ou não, ou faz isso bem ou mal, é se você memorizou o que ela passou pra você.

Enquanto os pedagogos tão se preocupando com "inclusão social" ou abstrações do tipo, o Sistema ri ao ver você fazer tudo por ele. Você coloca seu filho na escola não porque ela vai ensinar ele a ser uma pessoa integrada, desenvolvida e individuada mas porque ela vai dar a ele mais chances de passar no vestibular ou no concurso público. No fundo, você tá é pouco se fudendo pra felicidade e pra qualidade de vida (não, não tem nada a ver com dinheiro) do seu filho, você quer é que ele reflita bem em você, "meu filho é muito inteligente, ele passou no concurso da prefeitura, obviamente eu criei ele bem". Puta merda como essa expressão "criar filho" me dá asco.


II.

Perceba que essa chantagem toda que os pais fazem passa a mensagem à criança de que o amor a elas é condicional. Você fala pro seu filho que ele só ganha carro se passar na federal, e ele ouve que você só vai amar ele se ele fizer o que você mandar. Ele vai passar a vida inteira achando que se ele desagradar o chefe ou a figura de autoridade que seja, ele não vai ganhar o que ele que ele quer, o que na verdade dificilmente vai ser o que ele realmente quer mas o que ele aprendeu que deveria querer.

No fundo, os pais de hoje em dia tão é acabando com a liberdade de escolha dos filhos. Os filhos só vão receber afeto se forem bem na escola (que por sua vez não é um julgamento dos pais, mas sim da escola - e como você sabe que a escola tá medindo bem o desenvolvimento do seu filho? Uma dica: ela não tá), se passarem no inglês (é claro que vão passar, escola de inglês não reprova porque não quer perder os alunos), etc. Aí, de duas uma: ou eles abaixam a cabeça e fazem tudo certinho, ou se rebelam de vez e buscam o afeto na boca de fumo. Muitas vezes é uma mistura dos dois, na verdade, olha a bacanália que é um churrasco de universitário - um monte de gente desesperada com tanto peso nas costas que precisa encher o cu de cana e transar com qualquer um pra aliviar a pressão só um pouquinho.

Você já parou pra se perguntar por que que o brasileiro é tão pouco empreendedor? Não, não é o tanto de imposto que você tem que pagar, porque quem decide isso é você, se você tá cansado de pagar tanto imposto então para de votar pros políticos que passam esses impostos**. O brasileiro não é empreendedor porque empreendedorismo significa tomar certos riscos, e se ele arriscar e der merda ele pode perder a aprovação dos superiores que ele tanto busca. Empreendedorismo significa apostar na sua ideia, significa fazer sacrifícios e trabalhar duro pela sua ideia. Mas pra trabalhar duro de verdade tem que ser apaixonado, obcecado, a gente ainda tá aí apaixonado por nós mesmos, enquanto deveríamos estar apaixonados pelo trabalho que fazemos.

Se não há amor incondicional, não há liberdade de escolha. A criança precisa saber que a família dela vai tar lá pra ajudar ela se tudo der errado, e que não tem problema se tudo der errado, o amor sempre vai estar lá. Se a pessoa sente que tem que agradar os pais/o Sistema de alguma forma, ela não vai fazer o que ela deseja, mas sim o que o outro deseja. O livro arbítrio sempre existe, mas em muitos casos ele está encoberto por uma série de responsabilidades e deveres externos. "Mas eu vou amar meu filho mesmo se ele não passar no concurso". Tá, pode até ser, eu tenho minhas dúvidas, mas digamos que seja verdade. Isso não importa, porque não é isso que você diz pro seu filho, você diz que ele tem que passar no concurso, desgraça.


III.



E vem cá, vamo combinar, você acha que a escola tá dando aula de direito pro seu filho porque vai ser bom pra ele, ou porque vai fazer com que mais pais bitolados e inseguros ponham seus filhos na escola? Fala o que você quiser da escola pública, que o ensino lá é uma merda (mais uma vez, porque você deixa ao eleger babacas que querem que você permaneça burro), mas pelo menos lá o foco deles é o ensino e não o lucro. Você compra uma camiseta do uniforme da escola por R$45 e acha que é porque aí tem menos chance do seu filho sofrer bullying, o que é claro é uma noção profundamente idiota. Você acha que pagou pro seu filho se dar bem, mas na verdade só pagou a entrada da BMW do dono da escola.

Sabe pra que serve uniforme? É pra estimular conformidade. Olha os outros ramos que usam uniformes: o exército, a polícia, advogados. Todos ramos em que tudo gira em torno de seguir regras. É claro que militares e advogados têm seus lugares na sociedade, mas na escola isso não tem o menor cabimento. Racionalize como quiser, mas quem usa uniforme é quem é mandado.



* 'brasileiro' aqui quer dizer brasileiro de classe média ou alta de pelo menos segunda geração, porque o cara que acabou de comprar a primeira geladeira não vai ler esse blog

** sim, eu sei que não é tão simples, mas um povo tem o governo que merece

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Uma distinção crítica

I.


O que acontece com o machismo quando só tem homem?

É bem comum ver por aí artigos escritos em sites feministas, ou até em jornais e revistas, falando de estupro e machismo e de como o patriarcado é isso ou aquilo. Infelizmente, também é muito comum que a ideologia das pessoas sequestre as histórias para reafirmar suas pautas. É o que acontece aqui:


Primeiro, eu não sei por que raios ela mudou o título do artigo, o url original indica que era "Estupro, o que nunca será sexo", o que é muito mais pertinente do que uma pergunta nebulosa, mas enfim. Nesse ponto ela tem razão: se um não quer, dois não transam.

Mas vamos ao que interessa. A autora fala sobre uns casos horríveis de estupro e assassinato, beleza, esses caras têm mais é que se fuder mesmo, o que é claro raramente acontece no Brasil. E aí vem o sequestro: ela afirma que o que os casos tem em comum é que são crimes de gênero. Errado. Crime de gênero é assédio sexual. Assassinato é assassinato e estupro é estupro.

Fica bem claro que, pressupondo que os fatos noticiados não foram distorcidos, o que também não acontece, aqui a gente não tá lidando com machista ou com o patriarcado ou que seja, a gente tá lidando com psicopatas. Há uma distinção bem nítida. É a mesma coisa que pegar um caso de um branco que assassinou um negro e dizer que foi crime de raça. Claro que pode ter sido, mas pode não ter sido também, você não tem a menor ideia do que se passa na cabeça de um assassino.

No caso do estupro, bom, homens também são estuprados, você só não fica sabendo porque ninguém posta no "Moça você é machista". A patologia do estupro tá relacionada ao poder, não à sexualidade. O "sexo" é apenas uma arma usada pelo estuprador pra exercer seu poder sobre a vítima. Acontece que as mulheres são justamente as que têm mais dificuldade em se defender (não devido a sua natureza, mas devido à educação que receberam). Tanto que, na prisão, onde a lei da selva tende a predominar, como não tem mulher, eles estupram os homens mais fracos.


II.

A autora nos diz:

"O assédio na rua, conhecido de todas as mulheres brasileiras (ou quase todas), não chega perto do sofrimento dos estupros e assassinatos que tomaram a mídia. Mas tem em comum com eles, no pano de fundo, a ideia corrente de que nós mulheres somos apenas corpos sem desejo próprio e, pior, disponíveis."

Não, não, não, não, não, não, não. Os dois fatos não têm nada em comum. O estuprador é um psicopata. O que faz o tal assédio na rua é um narcisista. É muito importante que isso fique muito claro, porque conflacionar os dois só serve pra avançar uma ideologia. É importante porque a mulher que vai pular carnaval precisa saber distinguir entre os dois e estar preparada pra lidar com os dois. Não, não, isso não é culpa da mulher, se uma mulher é assediada ou estuprada a culpa sempre é de quem atacou. Só que pensa desse jeito, um cara que faz algum esporte violento, tipo futebol americano ou boxe. Ele sabe muito bem dos riscos de lesão que ele corre, e que inclusive pode acontecer de ele ficar paraplégico ou até morrer. Mas ele assume esses riscos porque a recompensa, seja qual for, é maior. É o mesmo com quem vai pra folia: você sabe que há um risco de ser assediada ou até estuprada, mas assume esse risco porque a diversão compensa. O jogador de futebol americano, pra tentar diminuir os riscos, usa uma verdadeira armadura pra se proteger. A mulher deveria fazer o mesmo: saber se defender, saber reconhecer um psicopata, etc.

O problema da abordagem de ficar chamando todo mundo de machista é que o narcisista nunca vai reconhecer que é machista, e o psicopata não tá nem aí pra isso. Se você chega prum cara vestindo abadá e bebendo Kaiser quente e acusa ele de machismo, ele vai fazer o que qualquer um faz quando é atacado, assumir uma posição defensiva, tornar-se mais rígido ainda. Você não vai conseguir mudar a cabeça dele, mas talvez você consigo mudar a cabeça da mulher que foi assediada por ele encorajando-a a se valorizar e se defender, e se defender quer dizer coisas completamente diferentes dependendo do assediador ser um psicopata ou apenas um narcisista (e se possível as nuâncias, nada é preto e branco infelizmente).


III.


Como que eu sei que isso tudo é pura ideologia?

"Tremo de indignação, como diria Che, num mundo como este."

Ah, não sabia que o Che Guevara era teu broder, pra ficar chamando ele pelo primeiro nome apenas. Citar o Che Guevara pra falar da injustiça de um assassinato mostra que ela não tá pensando no Che Guevara, assassino (se os fins justificam os meios é um debate pra outro dia), que existiu, ela tá pensando no Che Guevara da camiseta vermelha que ela tem, que nunca existiu.

A ironia disso tudo é que ela acaba fazendo exatamente a mesma coisa que ela critica na Veja ou na Globo.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

A diferença entre ética e moralidade

I.

Você é a metade de cima ou a de baixo?

Gustavo Ioschpe se pergunta na Veja se ele deve educar seus filhos para serem éticos. O artigo do Gustavo é legal porque, ao incorrer numa conflação de ética e moralidade, ele acaba sendo um bom representante do brasileiro, ou até do ser humano de maneira geral.

Resumindo: o pai do Gustavo, nas suas próprias palavras, era obcecado com ética e conduta correta, seja o que isso quer dizer. Você sabe que esse artigo foi escrito pra Veja porque tem uma foto da Hannah Arendt, uso de palavras tipo leitmotiv, e citações de Sócrates e Kant. Tudo bem que quase ninguém que tá lendo a Veja vai ter lido a Crítica da Razão Pura, mas é só uma questão de credibilidade mesmo, de estabelecer a autoridade: ó, o que eu falo é certo porque eu sou educado e culto. Dica: o recurso à autoridade é uma falácia.

Enfim, o Gustavo tá na dúvida sobre a educação que ele deve dar aos filhos: será que ele os educa para serem pessoas éticas, como seu pai o fez, ou será que ele os ensina o jeitinho brasileiro pra serem mais felizes nessa nossa sociedade medíocre? O que fica pra escanteio é o que o filhos pensam, mas enfim. Tudo bem, o Gustavo certamente é uma pessoa ética (ou será que é? Repara como ele projeta seu próprio lado "malandro" no povo brasileiro), mas e daí? Isso não quer dizer absolutamente nada. Mentira, quer dizer que ele nunca reformou o código de ética dele, ou seja, ele é só ética e nenhuma moralidade.


II.

A ética é o superego, e a moralidade é a reforma do superego. Considere a situação: você descobre que um colega seu tá roubando um dinheiro da empresa, mas ele só tá fazendo isso porque ele precisa pagar uma operação caríssima pra salvar a filha dele porque o plano de saúde da empresa não cobre. Antes de mais nada, pergunte-se o que você faria. A coisa ética a se fazer seria denunciá-lo, pois ele está descumprindo a lei imposta. A coisa moral a se fazer seria calar a boca, porque puta que o pariu a filha dele tá morrendo! A coisa moral seria você mesmo tomar dinheiro da empresa e dar pro cara.

A ética é um conjunto de regras sobre as quais uma devida sociedade entra em acordo, seja sob forma de lei ou sob forma de valor comum (pontualidade, etc.). A moralidade, por outro lado, não pode ser definida dessa forma. Ela é algo pessoal, e é irracional, muitas vezes uma afronta à lógica. Você faz algo porque você sabe que é a coisa certa a se fazer e ponto final. A moralidade é você saber quando seguir a regra e quando quebrar a regra, quando ouvir o que seu pai falou e quando ignorá-lo. E não tem ninguém pra te dizer se você fez o certo ou não.

A função do superego é trazer um senso de continuidade que permite a sobrevivência de indivíduos e sociedades. Sem uma ideia fixa de quem "eu sou", não há como progredir, pois não há diferenciação entre "eu" e "outro". No entanto, o superego, a ética, não tem valor moral. A ética faz sentido num devido contexto mas ela nunca pode ser realmente universal. Esse é o erro no qual incorrem tanto o Gustavo como a maioria das pessoas.

O Gustavo fala das regras que ele absorveu do pai dele, que sem dúvida era um militar, ou de família militar, mas nunca questiona essas regras. Ele repete simplesmente o que o pai dizia, sem se perguntar se esses valores realmente são aptos. Tá, o Brasil tem vários problemas, violência, machismo, corrupção, blablabla, mas quem vai dizer que a vida no Brasil é pior que em outros cantos do mundo? Se você acha a favela armada ruim, imagina onde os loucos são armados. Ou seja, falta de pontualidade atrapalha, sim, atrapalha, claro, mas no final das contas a diferença não é tão grande assim, e sem dúvida todo mundo beneficia de um atraso aqui ou ali.


III.

O problema está nos extremos: não se pode mentir, ponto. Imagine-se na situação do Gustavo quando criança, quando ele ganhou um presente da mãe que ele não gostou: será que ele fala a verdade e machuca os sentimentos da sua mãe, ou será que ele mente e arrisca sofrer a punição do pai? O certo teria sido falar pra ele que a honestidade é de suma importância, sim, mas que às vezes é necessário uma mentirinha. O problema da mentira não é inerente à mentira, ele aparece quando a mentira causa algum prejuízo a outro.

E como saber quando mentir e quando falar a verdade? Não existe manual, não adianta olhar no seu Vade Mecum, não tá na Constituição. Só você que vai saber, ali, na hora. Isso que é a moralidade, e a gente pode até aprender a moralidade com exemplos e com o passado, mas não tem professor pra te dar nota, não tem pai pra te aprovar nem mãe pra te abraçar.

Mas é exatamente isso que apavora as pessoas. Não há certeza nenhuma, você não sabe 100% se fez a coisa certa. Tem que confiar. Por isso o superego é tão atrativo: ele é seguro, ele não muda, ele é constante. Pena que a vida não é assim. Certamente não é fácil, mas o superego precisa ser desconstruído e reconstruído periodicamente, senão ficamos engessados e paranoicos.


IV.

A conclusão a que o escritor chega é que sim, ele deve ensinar os filhos a serem éticos, e de fato, ser ético é exatamente o que ele faz. Mas veja bem, ele não diz que vai ser rígido com os filhos porque ele acha que é a coisa moralmente certa a se fazer, ele diz isso pra fazer que nem o pai dele, um pai que deixou o filho tão noiado com as regras que ele é incapaz de chegar a suas próprias conclusões - o artigo todo é só uma coleção de memórias e citações "eruditas".

Quando dependemos unicamente das regras de conduta, da palavra dos outros, atrofiamos nossa própria capacidade de nos lançarmos ao mundo, e acabamos sempre tomando decisões que garantem nossa segurança e nosso conforto, mas você não precisa ser historiador pra encontrar exemplos infindos de que a segurança e o conforto não nos levam a lugar algum.

Ou seja, o superego tem sua função, mas se você não exerce sua própria capacidade de julgamento moral, você acaba se apagando e tornando apenas mais uma peça do sistema, totalmente inerte. Ironicamente, é justamente o pai (leia-se, não necessariamente o pai biológico, nem necessariamente um homem) que deve ensinar isso ao filho, cortar o cordão umbilical, e dizer pra ele que ele é responsável pelas consequências das próprias escolhas e que é apenas ele que pode decidir o que é correto. Temos a tendência de partir do pressuposto que há valores universais, mas isso não existe, não há nada que garanta que ser maligno, egoísta, é ruim no final das contas.

A diferença entre a ética e a moralidade é que a ética é dos outros, e a moralidade é sua. Ou seja, se você não confia em si mesmo, na própria moralidade, você não existe.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Se o Eike é supersticioso, o que dizer sobre você?

I.


Tá, agora, lembra que isso é a Globo, ou seja, não são fatos, não é o que é verdade, é o que eles querem que seja verdade. O Eike Batista, anos atrás, foi praticamente canonizado pela mídia, o novo herói brasileiro (já parou pra pensar por que não há grandes negociadores brasileiros a nível mundial? Não, o Eike não conta, a mãe dele é alemã). No entanto, as coisas não saíram tão bem quanto se imaginava, fudeu, deu merda, Eike em crise, ou seja, Brasil em crise.

Só que é muito importante para a mídia que ela saia ilesa, então ela precisa se desassociar do Eike. Como fazer isso? Fácil, é só pintá-lo de paranoico e crente. Segundo o artigo, o Eike explicou seu fracasso como sendo resultado de mentiras e inferno astral. Qualquer um pode falar que ele tá responsabilizando o Outro e não vendo sua responsabilidade no fracasso, mas a. ele sabe muito bem por que fracassou - se não soubesse não seria quem é, seria mais um idiota qualquer; b. a gente não tá falando do Eike.

O Eike dizer que os outros mentiram pra ele é a mesma coisa que um político fazer um pedido público de desculpas por ter sido pego traindo, todo mundo sabe que a mentira tá rolando solta, mas todo mundo finge que é honesto. O que é interessante mesmo é a questão do mapa astral. Olha o que eles dizem: "O texto lembra que o empresário acredita em sorte e superstições." Viu, ele acredita em horóscopo, ele enganou a gente dizendo que era sério. Aham, beleza.

Mas para pra pensar: o mapa dele dizia que o período seria ruim pra negócios, e o período foi ruim pra negócios. Ou seja, a previsão do mapa foi confirmada. Ah, foi mal, eu esqueci, é sorte, é coincidência. Mas quando o economista da Globo acerta uma previsão, não é coincidência, é expertise. As palavras são suas inimigas.


II.

Também tem um artigo sobre o assunto na Veja, os textos dizem a mesma merda, mas olha a foto que eles usam:

Fonte: Veja
Essas fotos nunca são por acaso. Os caras sabem que quem lê a Veja odeia o Lula/PT, e puf, agora o Eike Batista é odiável também. Só que você não odeia o Eike porque ele é amigo do Lula, você odeia o Eike porque ele teve sucesso e você não.
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