sexta-feira, 5 de abril de 2013

Representante, sim, mas de quem?

I.

"Feliciano não me representa!"

"Um governo do povo e para o povo". Taí um dos maiores moinhos do quixotesco povo brasileiro. "Mas, afinal, nós vivemos numa democracia, e elegemos nossos representantes". O problema aqui é que você até questiona o termo 'elegir' de vez em quando (sobretudo quando você quer impressionar as minas que tão no protesto), mas você nunca questiona o termo 'representante'. Será que o deputado Fulano, o presidente Beltrano realmente representam seus interesses? Todo mundo adora dizer que o Feliciano não os representa, mas se não é ele, quem então? É a Dilma?

Pense bem: coloque-se no lugar de um político qualquer. O que é mais importante? Garantir a permanência no cargo e o aumento da influência, ou fazer sacrifícios em prol de alguma minoria obscura? "Ah, mas eu tivesse no Congresso eu ia lutar pelos direitos de todos!" Ah, é? Então por que você não tá lá agora? A política, por natureza, atrai tipos que se interessam por poder, e não em ajudar os outros. Quem quer ajudar os outros faz caridade, doa seu tempo, seus recursos, porque o que interessa não é seu próprio benefício mas o benefício de todos. Quem é bonzinho assim não consegue sobreviver (às vezes literalmente) o jogo político porque seu senso de auto-preservação não é tão afiado.

E não se engane, a política é isso mesmo: um jogo. É uma briga por poder, por posicionamento, por fama. O progresso humanitário real não hierarquisa. A diferença entre nossa atual era pós-moderna e a Idade Média é que ninguém sabe direito quem é o rei hoje em dia, e em vez de um exército de soldados, ele usa um exército de lobistas. E tudo isso é um jogo. Quem é o mais fodão do quarteirão?


II.

Eu já mencionei antes que o cúmulo na política brasileira é o voto secreto. Isso confirma de fato que você não tem a menor ideia quem um devido político representa. Quer dizer, dá pra ter uma ideia sim, é só ver quem patrocinou a campanha dele, direta- ou indiretamente. Às vezes é difícil saber mesmo. Mas o que interessa é que definitivamente o representado não é você. A representação é uma ilusão. E já que você ainda pode comprar seu iPad e seu carro, ainda que a preços exorbitantes, você não tá nem aí pro que os políticos fazem, mesmo quando eles esfregam na sua cara que tão gastando seu dinheiro com cocaína e segurança particular.

"Mas então basta ver quem doou mais?" Hah, se fosse tão simples assim. Peguemos o caso das eleições municipais de Curitiba em 2012. O então-prefeito Luciano Ducci recebeu, de longe, mais doações do que todos os outros candidatos juntos (se você não sentiu um cheio podre aí pra começar, bom, talvez o AirWick tá dessensibilizando seu olfato). Mas infelizmente pra ele, isso não foi o suficiente. Saiu na Veja, por estranha coindiência, alguns meses antes da eleição, uma matéria em que ele é acusado de alguma corrupção ou outra. Se ele realmente roubou ninguém sabe (o MPF arquivou o caso, claro), mas o dano estava feito: o Ducci não conseguiu ir nem pro segundo turno. Ou seja, mesmo se, apesar dos milhões em doações, o Ducci fosse um "candidato do povo" (e quem melhor do que um médico pra saber como é ser um cidadão comum), ele não teria tido chance perante a máquina midiática - quem decidiu a eleição não foi você, foi a Veja.

Mas talvez mais interessantes sejam as eleições pra vereador. O candidato Zezinho do Sabará recebeu 6.600 votos e não foi eleito, enquanto o candidato Geovane Fernandes foi eleito com 2.861. Isso é a sua democracia representativa. Todo mundo aceita essa putaria porque, tanto na escolinha quanto em casa, que o que é válido é o que a autoridade diz quando fala sobre 'democracia'. O que não vale é pensar por si próprio o que a democracia realmente significa. Por que que você acha que as provas são quase sempre V ou F ou múltipla escolha? Porque aí não há necessidade de pensamento crítico ou filosofia, é só memorizar o que a autoridade determinou como sendo a escolha certa. E não adianta querer mudar as regras do jogo: não é você que escolhe elas. Você ainda pode, no entanto, parar de jogar.


III.

É aí que entra o Feliciano. Ele é só mais um numa lista infindável de distrações. Se você prestar bem atenção, sempre se discutem questões tangencias à democracia, e nunca a democracia per se. Todo mundo adora falar dos escândalos de corrupção e dizer pros amigos como fica revoltado, todo mundo compartilha posts anti-Feliciano e anti-Calheiros, e acaba que ninguém se pergunta por que que sempre aparece um escândalo de corrupção, por que que sempre tem um Feliciano ou um Calheiros.

Mais uma vez, tudo volta à educação. O que que a gente aprende na escola? Que teve escravidão, que teve monarquia, que teve ditadura. Nos apresentam uma sucessão de vilões que podemos odiar, e que nos permitem pensar "nossa, eu tenho problemas, mas antes era bem pior!" Nos dizem que hoje o Brasil é um país democrático, um país onde controlamos nosso destino. Dê uma olhada nesse artigo do site Brasil Escola:

"Nos tempos coloniais, observamos que o exercício dos direitos políticos se restringia a uma limitada parcela de proprietários de terra, conhecidos como “homens bons”. No interior das câmaras municipais, eles decidiam quem ocuparia os cargos políticos mais importantes e quais leis teriam validade."

"Em nossa independência, vemos que uma elite interessada em manter suas vantagens econômicas capitaneava o fim do pacto colonial."

"Na chamada Primeira República, vemos que a exigência ainda se somou a um sistema eleitoral corrupto e contaminado por mecanismos que determinavam a alternância das oligarquias no poder."

Como se tudo isso não acontecesse hoje em dia! O mundo sempre foi governado por "elites" interessadas em manter suas "vantagens econômicas", pouco importa se elas estão vestidas de monarquia ou democracia (ou até de comunismo). Se você ainda acha que o interesse dos políticos é de avançar o país, você precisa parar de comer lasanha congelada e miojo, esses produtos químicos tão estragando teu cerébro. Se você sai ganhando como consequência de alguma decisão política, pode ter certeza ou que isso é um efeito colateral ou que o político precisa do seu voto.


IV.


Mas nada disso importa. Afinal, você tem sua casa ("faltam só 257 prestações!"), seu carro semi-novo, seu laptop, seu iPod. Você pode usar sua camisa da Aéropostale, pode xingar a Dilma na internet. Você vive uma ilusão de que atingiu o objetivo da vida. Agora, é só relaxar e esperar a aposentadoria. Enquanto isso, o Marcos Valério tá passando a mão na sua grana, mas de boa, você assinou a petição no AVAAZ. Enquanto isso, o governo continua usando dinheiro público para fazer propaganda de si mesmo. E você continua trabalhando que nem um condenado (ou não trabalhando nem um pouco, depende se você foi pro setor privado ou pro público) pra conseguir pagar as parcelas da TV de 50 polegadas.

Você pode até achar que tá fazendo uma diferença com suas petições e compartilhamentos no Facebook, mas o sistema não tem o menor problema com isso, porque você ainda é uma bateria alimentando o sistema. Você ainda vota certinho (afinal, é obrigatório) e ainda paga seus impostos bonitinho, ainda consome de maneira totalmente irracional, e é só isso que interessa pra eles.

Quer dizer, isso tudo funciona muito bem, até você for se aproximando da casa dos 50. Depois do divórcio, dos filhos que te ignoram, das dívidas, você vai perceber que seu Citroën e sua impressora wireless não significam absolutamente nada, não vão te levar pro céu ou pra próxima vida, e certamente não vão te adiantar depois que seu fígado desistir.

Sabe por que que a escravidão foi abolida? Porque o melhor escravo é o escravo que não sabe que é escravo.

Um comentário:

  1. NICE man!!!! that's so true!!! But how do we stop playing the game!? how can we begin this if you will, "eye opening" opportunity to really change peoples minds?

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