domingo, 1 de setembro de 2013

O vestibular é retardado

I.

Fábrica do século 18

Aff, eu não sei onde começar essa bagaça. Fui procurar qualquer coisa no Google, mas só tinha notícia de que aconteceu ou vai acontecer tal prova, tantos porcento não fizeram a prova na UEL, blablabla um monte de inanidade. Não há absolutamente nada falando sobre o vestibular como conceito, fazendo perguntas, só um eco. Então eu fui ver essa porcaria, uma "aula" de história no G1.

Primeiro que todo mundo fala que a Globo rouba do Criança Esperança mas ninguém imagina que talvez, quem sabe, haja uma ideologia por trás do que eles publicam no site? A Globo não vai ser objetiva, ela vai dar a "aula" dizendo pra você o que ela quer que você ouça. Você acha que a Globo quer que você tenha uma visão crítica, inteligente, objetiva, etc? Não, ela quer que você assista o Jornal Nacional e a novela das dez. Junte 1+1 e a gente tem...?

Essa "aula" não ensina absolutamente nada sobre a Inglaterra do século 18. É exatamente a mesma coisa que assistir Oliver Twist. Não há nuâncias, não há várias camadas, vários atores, contextos variados, etc. Não, há apenas os patrões vs. o proletariado. Mesmo se você tem o mínimo de perspicácia pra ver que isso é apenas uma lente através da qual ver a história, você não tá se perguntando por que uma corporação conservadora (redundância) tá te alimentando com uma visão de esquerda da história.

Eu podia passar mais tempo falando de como essa "aula" não ensina nada, mas faça isso você como exercício, vê se usa esse cérebro que você aposentou muitos anos atrás. O que importa aqui é que o objetivo dessa aula virtual, e por aula virtual eu quero dizer todas as escolas, não é que você entenda o que aconteceu na Inglaterra naquela época, mas que você saiba que resposta que o professor quer ouvir.


II.

Fábrica do século 21

Que a preparação pro vestibular é o único objetivo das escolas é perfeitamente claro, tem muita gente que até sabe que tá aprendendo água. O que elas não percebem é que elas tão silenciosamente cedendo o controle a uma figura maior, abstrata, a uma grande mamãe que vai cuidar de você, não se preocupa, é só esperar 5 dias numa maca no hospital público.

Eu entendo que é difícil a gente questionar o sistema escolar porque é a única coisa que a gente conhece, é o que os nossos filhos fazem, nós fizemos, nossos pais fizeram. Mas para pra pensar um pouco na merda em que você anda rolando.

Mas calma lá, Che Jr, não adianta você organizar um protesto. Isso não é uma conspiração nacional pra emburrecer a população. O Ministro da Educação não tem uma reunião com uma cabal sombria regada de charutos e prostitutas, a Dilma não tá mandando botar propaganda do PT no livro-texto, não, o problema aqui não é o governo, o problema é você.

O que acontece é que o sistema NUNCA foi desenhado pra tornar a população mais inteligente, ninguém tá emburrecendo, foi todo mundo sempre burro. E a gente tá parado, o desenvolvimento da educação nunca aconteceu, porra você não sabia até que na Finlândia, onde as pessoas se odeiam o suficiente pra ter uma das maiores taxas de suicídio do mundo, até lá eles avançam. Você reparou que não tem vestibular na Finlândia?

O que o vestibular e o sistema educacional que gira em torno dele ensinam é que a resposta não está nos fatos, não está na argumentação, não está na lógica, não está no contexto, nada, ela tá é no livro-texto (alguém sabe dizer que escreve esses livros todos? quem publica? qual o viés? etc), ela tá no professor, ela tá no cara que faz a prova. Vai tomar no cu. Sério, puta que o pariu, você já deu uma resposta criativa, sua, pesquisada, inteligente, a alguma pergunta no ensino médio? Não, três frases não serve, e de qualquer jeito você só escreveu o que acha que eu/o professor quer ouvir, não sua análise própria.

"Mas tem que escrever uma redação no vestibular!" Sério, você chama isso de redação? 30 linhas, metade delas introdução e conclusão, não dá nem pra contar seu fim de semana em só uma página. Você se acha fodão por ter tirado nota boa na redação, enquanto isso na França o menino de 13 anos tá escrevendo redação na prova de matemática.


III.

O primeiro adágio da magia é que o mago vai desviar sua atenção enquanto ele realmente faz seu truque (e se você acha que os donos do mundo, os Arcontes, não usam princípios de magia, parabéns, ela funcionou em você). Aí enquanto você tá discutindo sobre os dois lados do debate, enquanto você critica o esquerdismo dos livros-texto, você não pergunta: 1. por que que eu tou achando que vou descobrir os fatos num texto generalista e propositalmente vago? 2. por que que tem vestibular? 3. vestibular mede o quê? etc, você fala de capitalismo e não percebe que vive no feudalismo.

Enquanto você tá aí discutindo sobre cotas raciais ou que seja, você acha que tá mandando bem porque quer que os negros vão pra universidade, e não se pergunta pra que serve essa porra de universidade. Se tá tendo uma discussão no G1, no Facebook, corra antes que seja tarde, é tudo uma distração. Você fica obcecado com as respostas e não se preocupa com as perguntas.

Pode ter certeza que se começarem a questionar o vestibular na mídia, é porque as pessoas começaram a fazer perguntas demais. Pronto, controvérsia fabricada, e o sistema educacional continua a mesma merda de sempre. Você realmente acha que o problema é o salário dos professores? É claro que isso é UM problema, mas não é o problema da educação, isso é um problema social/administrativo/etc. Quando foi que você viu alguém conversando sobre a validade do currículo escolar? "Ué, mas é pra isso que servem os pedagogos." Ou seja, não você. Ponto pros arcontes.


IV.

Porra, é tanta coisa que fica difícil dividir e falar, mas enfim, vamo lá. Pra que serve escola? Sério, alguém já respondeu essa pergunta sem repetir o que algum professor idiota falou? "Pra formar cidadãos." Tá, o que é um cidadão? "Pra aprender a viver no mundo." Ah, então foi na escola que você aprendeu a fazer imposto de renda, aprendeu a não ser influenciado por propaganda, aprender a fazer orçamento, e tudo mais, né, ufa, ainda bem. "Pra aprender os fatos que vão usar no mundo adulto." Eu te dou R$20 se você tiver mais de trinta anos, não for biólogo, e me explicar como se reproduzem os moluscos, um dos fatos tão úteis que aprendeu na escola.

A escola hoje em dia tem uma preocupação (eu tou falando da sua escola particular, não da escola em Serra da Poeira, Alagoas), e essa preocupação é passar os alunos no vestibular. Assim, mais pais desesperados, que não sabem o que é educação, vão querer botar os filhos nessa escola, e assim o ciclo se repete. Já parou pra pensar que o resultado que importa pra escola não é o aprendizado dos alunos, mas quanto dinheiro sobra no final do mês, quem sabe eles abrem outra escola em outro bairro?

Duas histórias ilustram essa tristeza:

  • Na aula de física, a menina claramente não entendeu porra nenhuma (o problema, é claro, não é que ela não aprendeu os princípios da física, que vão servir a ela no dia-a-dia, mas que ela não aprendeu os fatos cobrados na prova); o sinal toca, e a amiga dela fica pra trás com ela pra elas revisarem; o professor não aceita isso "VOCÊ É LOUCA, VOCÊ TÁ ENSINANDO SUA CONCORRENTE, ELA VAI ROUBAR SUA VAGA NO VESTIBULAR". Mensagem recebida: o que importa não é aprendizado, é receber ordens.
  • Palestra pra pais interessados em escola particular de renome, a diretora, falando sobre os alunos da escola dela: "aqui a gente ensina, desde essa idade, que esse menino é concorrente dessa menina". Eles não têm 15 anos, eles têm 8.

Pensa bem sobre isso.


V.

O valor do vestibular não tá em sua mensuração de inteligência, porque isso é a última coisa que ele faz. Ele não tem valor nenhum para os que o fazem, é só mais um obstáculo colocado pelo contexto deles que eles acham que têm que ultrapassar. O valor tá pros pais desses meninos: "meu filho passou em Direito na federal!" Parabéns, você acabou de formar mais um concurseiro.

Os pais dos adolescentes não têm a menor ideia do que é educação, do que é ensino, de como ele acontece, etc. Eles só conhecem o que eles mesmos passaram, que pode até ter nome diferente, ginásio ou sei lá que porra, mas é exatamente a mesma porcaria que hoje em dia. Portanto, é só isso que eles sabem cobrar dos filhos. Eles não têm a menor ideia se o Junior é criativo pra cacete ou só mais um autômato, eles não sabem se ele tem senso critíco, eles não sabem julgar nada disso. Por isso, eles se voltam para algo tangível, algo que eles podem medir (passou/não passou).

E é só disso que eles precisam. Como eles não sabem o que é um adolescente inteligente/etc, eles usam símbolos, que permitem a eles objetificar seus filhos, e reforçar sua identidade de "bons pais". Um bom pai se preocupa com a qualidade do aprendizado do filho, mas precisa saber medir essa qualidade, e ninguém sabe, então eles precisam de documentos ou que seja que mostre pra eles que os filhos aprenderam, notas, números, coisas vazias.

Você acha que o pai que essencialmente força o filho a fazer direito tá preocupado com a felicidade do filho? Claro que não. Ele tá preocupado com o filho fazer artes cênicas e todo mundo no trabalho falar que é viado, é hipster, sei lá. Ainda se o pai achasse que o filho tem um talento nato pro direito, aí quem sabe, mas não, ele sabe o filho é lesado e nunca se daria bem como advogado. "Pelo menos com direito ele passa num concurso público." Percebeu que o barômetro dele é o status do filho, não o conhecimento ou a habilidade dele? Ninguém quer um filho que seja excelente jurista, quer um filho que seja juiz, competência que se dane.


VI.

Vejamos o que o bom menino estudioso aprendeu:

  • que a resposta certa não é a que é lógica ou ética, é a que o corretor determinou
  • que ele não tem que aprender a analisar conteúdo, ele precisa memorizar fatos
  • que na vida é tudo certo ou errado, múltipla escolha, que não há ambiguidades ou ambivalências ou relatividade
  • que basta ele passar no vestibular ou se formar na universidade que ele vai ser uma pessoa competente, moral, etc
  • que o que mede a inteligência dele é uma prova binária
  • que apenas fatos importam, não contexto
  • etc
Parabéns, você não formou um cidadão, formou mais uma bateria pro Sistema.

"Cara, mas o que que tu tá querendo dizer?" Não importa o que eu quero dizer, importa o que você entendeu.

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