I.
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Compare uma sala de aula com o escritório do Einstein |
Recentemente, uma escola particular no DF passou a incluir no currículo aulas que supostamente preparam os alunos para concursos públicos. Olha, eu concordo que as escolas no Brasil, de maneira geral, focam excessivamente em matérias de exatas, e ainda têm uma abordagem totalmente retrógrada. Só que a criança tem que aprender sobre direito na aula de filosofia, não na aula de "cidadania". Você sabe que tá sendo enrolado quando a pessoa começa a falar de cidadania: não é o que você pode fazer pela sociedade, mas o que a sociedade pode fazer por você, ou seja, que que eu tenho que fazer pra agradar ao superego e ganhar minha recompensa?
A obsessão louca que ocorre nesse país, sobretudo em Brasília mas em toda parte, é um sintoma da falta de colhões do brasileiro*. Todo mundo se acha esperto, mas na hora do vamo ver corre rapidinho pros braços da mamãe. Que fico claro que é óbvio que é preciso de gente pra administrar o governo, e que tem gente que gosta disso e que é bom nisso. O problema é que é muito fácil. Não que seja fácil fazer espeleologia na infindável burocracia do governo, mas que se você é funcionário (vitalício!) do governo você não corre risco nenhum, e se você não corre risco nenhum, parabéns, o superego ganhou e sua vida vai ser confortável e infeliz até o fim.
O próprio sistema de educação é um fruto da nossa dependência da aprovação do papai. Eu já expliquei como o vestibular é retardado, mas o vestibular é só um exemplo de um sistema que constantemente reforça que a resposta correta está na autoridade, e não na verdade. Nas provas, não há subjetividade, não há pontos de vista diferentes, não, tá tudo já respondido e explicado. Só V ou F ou múltipla escolha. Pensa bem, a resposta à pergunta "qual é a raiz quadrada de 49?" não é 7, é "letra c)". Foda-se o que você acha, o que a escola quer saber não é se você pensa ou não, ou faz isso bem ou mal, é se você memorizou o que ela passou pra você.
Enquanto os pedagogos tão se preocupando com "inclusão social" ou abstrações do tipo, o Sistema ri ao ver você fazer tudo por ele. Você coloca seu filho na escola não porque ela vai ensinar ele a ser uma pessoa integrada, desenvolvida e individuada mas porque ela vai dar a ele mais chances de passar no vestibular ou no concurso público. No fundo, você tá é pouco se fudendo pra felicidade e pra qualidade de vida (não, não tem nada a ver com dinheiro) do seu filho, você quer é que ele reflita bem em você, "meu filho é muito inteligente, ele passou no concurso da prefeitura, obviamente eu criei ele bem". Puta merda como essa expressão "criar filho" me dá asco.
II.
Perceba que essa chantagem toda que os pais fazem passa a mensagem à criança de que o amor a elas é condicional. Você fala pro seu filho que ele só ganha carro se passar na federal, e ele ouve que você só vai amar ele se ele fizer o que você mandar. Ele vai passar a vida inteira achando que se ele desagradar o chefe ou a figura de autoridade que seja, ele não vai ganhar o que ele que ele quer, o que na verdade dificilmente vai ser o que ele realmente quer mas o que ele aprendeu que deveria querer.
No fundo, os pais de hoje em dia tão é acabando com a liberdade de escolha dos filhos. Os filhos só vão receber afeto se forem bem na escola (que por sua vez não é um julgamento dos pais, mas sim da escola - e como você sabe que a escola tá medindo bem o desenvolvimento do seu filho? Uma dica: ela não tá), se passarem no inglês (é claro que vão passar, escola de inglês não reprova porque não quer perder os alunos), etc. Aí, de duas uma: ou eles abaixam a cabeça e fazem tudo certinho, ou se rebelam de vez e buscam o afeto na boca de fumo. Muitas vezes é uma mistura dos dois, na verdade, olha a bacanália que é um churrasco de universitário - um monte de gente desesperada com tanto peso nas costas que precisa encher o cu de cana e transar com qualquer um pra aliviar a pressão só um pouquinho.
Você já parou pra se perguntar por que que o brasileiro é tão pouco empreendedor? Não, não é o tanto de imposto que você tem que pagar, porque quem decide isso é você, se você tá cansado de pagar tanto imposto então para de votar pros políticos que passam esses impostos**. O brasileiro não é empreendedor porque empreendedorismo significa tomar certos riscos, e se ele arriscar e der merda ele pode perder a aprovação dos superiores que ele tanto busca. Empreendedorismo significa apostar na sua ideia, significa fazer sacrifícios e trabalhar duro pela sua ideia. Mas pra trabalhar duro de verdade tem que ser apaixonado, obcecado, a gente ainda tá aí apaixonado por nós mesmos, enquanto deveríamos estar apaixonados pelo trabalho que fazemos.
Se não há amor incondicional, não há liberdade de escolha. A criança precisa saber que a família dela vai tar lá pra ajudar ela se tudo der errado, e que não tem problema se tudo der errado, o amor sempre vai estar lá. Se a pessoa sente que tem que agradar os pais/o Sistema de alguma forma, ela não vai fazer o que ela deseja, mas sim o que o outro deseja. O livro arbítrio sempre existe, mas em muitos casos ele está encoberto por uma série de responsabilidades e deveres externos. "Mas eu vou amar meu filho mesmo se ele não passar no concurso". Tá, pode até ser, eu tenho minhas dúvidas, mas digamos que seja verdade. Isso não importa, porque não é isso que você diz pro seu filho, você diz que ele tem que passar no concurso, desgraça.
III.
E vem cá, vamo combinar, você acha que a escola tá dando aula de direito pro seu filho porque vai ser bom pra ele, ou porque vai fazer com que mais pais bitolados e inseguros ponham seus filhos na escola? Fala o que você quiser da escola pública, que o ensino lá é uma merda (mais uma vez, porque você deixa ao eleger babacas que querem que você permaneça burro), mas pelo menos lá o foco deles é o ensino e não o lucro. Você compra uma camiseta do uniforme da escola por R$45 e acha que é porque aí tem menos chance do seu filho sofrer bullying, o que é claro é uma noção profundamente idiota. Você acha que pagou pro seu filho se dar bem, mas na verdade só pagou a entrada da BMW do dono da escola.
Sabe pra que serve uniforme? É pra estimular conformidade. Olha os outros ramos que usam uniformes: o exército, a polícia, advogados. Todos ramos em que tudo gira em torno de seguir regras. É claro que militares e advogados têm seus lugares na sociedade, mas na escola isso não tem o menor cabimento. Racionalize como quiser, mas quem usa uniforme é quem é mandado.
* 'brasileiro' aqui quer dizer brasileiro de classe média ou alta de pelo menos segunda geração, porque o cara que acabou de comprar a primeira geladeira não vai ler esse blog
** sim, eu sei que não é tão simples, mas um povo tem o governo que merece