segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Escola no DF promete que forma bons soldadinhos

I.

Compare uma sala de aula com o escritório do Einstein

Recentemente, uma escola particular no DF passou a incluir no currículo aulas que supostamente preparam os alunos para concursos públicos. Olha, eu concordo que as escolas no Brasil, de maneira geral, focam excessivamente em matérias de exatas, e ainda têm uma abordagem totalmente retrógrada. Só que a criança tem que aprender sobre direito na aula de filosofia, não na aula de "cidadania". Você sabe que tá sendo enrolado quando a pessoa começa a falar de cidadania: não é o que você pode fazer pela sociedade, mas o que a sociedade pode fazer por você, ou seja, que que eu tenho que fazer pra agradar ao superego e ganhar minha recompensa?

A obsessão louca que ocorre nesse país, sobretudo em Brasília mas em toda parte, é um sintoma da falta de colhões do brasileiro*. Todo mundo se acha esperto, mas na hora do vamo ver corre rapidinho pros braços da mamãe. Que fico claro que é óbvio que é preciso de gente pra administrar o governo, e que tem gente que gosta disso e que é bom nisso. O problema é que é muito fácil. Não que seja fácil fazer espeleologia na infindável burocracia do governo, mas que se você é funcionário (vitalício!) do governo você não corre risco nenhum, e se você não corre risco nenhum, parabéns, o superego ganhou e sua vida vai ser confortável e infeliz até o fim.

O próprio sistema de educação é um fruto da nossa dependência da aprovação do papai. Eu já expliquei como o vestibular é retardado, mas o vestibular é só um exemplo de um sistema que constantemente reforça que a resposta correta está na autoridade, e não na verdade. Nas provas, não há subjetividade, não há pontos de vista diferentes, não, tá tudo já respondido e explicado. Só V ou F ou múltipla escolha. Pensa bem, a resposta à pergunta "qual é a raiz quadrada de 49?" não é 7, é "letra c)". Foda-se o que você acha, o que a escola quer saber não é se você pensa ou não, ou faz isso bem ou mal, é se você memorizou o que ela passou pra você.

Enquanto os pedagogos tão se preocupando com "inclusão social" ou abstrações do tipo, o Sistema ri ao ver você fazer tudo por ele. Você coloca seu filho na escola não porque ela vai ensinar ele a ser uma pessoa integrada, desenvolvida e individuada mas porque ela vai dar a ele mais chances de passar no vestibular ou no concurso público. No fundo, você tá é pouco se fudendo pra felicidade e pra qualidade de vida (não, não tem nada a ver com dinheiro) do seu filho, você quer é que ele reflita bem em você, "meu filho é muito inteligente, ele passou no concurso da prefeitura, obviamente eu criei ele bem". Puta merda como essa expressão "criar filho" me dá asco.


II.

Perceba que essa chantagem toda que os pais fazem passa a mensagem à criança de que o amor a elas é condicional. Você fala pro seu filho que ele só ganha carro se passar na federal, e ele ouve que você só vai amar ele se ele fizer o que você mandar. Ele vai passar a vida inteira achando que se ele desagradar o chefe ou a figura de autoridade que seja, ele não vai ganhar o que ele que ele quer, o que na verdade dificilmente vai ser o que ele realmente quer mas o que ele aprendeu que deveria querer.

No fundo, os pais de hoje em dia tão é acabando com a liberdade de escolha dos filhos. Os filhos só vão receber afeto se forem bem na escola (que por sua vez não é um julgamento dos pais, mas sim da escola - e como você sabe que a escola tá medindo bem o desenvolvimento do seu filho? Uma dica: ela não tá), se passarem no inglês (é claro que vão passar, escola de inglês não reprova porque não quer perder os alunos), etc. Aí, de duas uma: ou eles abaixam a cabeça e fazem tudo certinho, ou se rebelam de vez e buscam o afeto na boca de fumo. Muitas vezes é uma mistura dos dois, na verdade, olha a bacanália que é um churrasco de universitário - um monte de gente desesperada com tanto peso nas costas que precisa encher o cu de cana e transar com qualquer um pra aliviar a pressão só um pouquinho.

Você já parou pra se perguntar por que que o brasileiro é tão pouco empreendedor? Não, não é o tanto de imposto que você tem que pagar, porque quem decide isso é você, se você tá cansado de pagar tanto imposto então para de votar pros políticos que passam esses impostos**. O brasileiro não é empreendedor porque empreendedorismo significa tomar certos riscos, e se ele arriscar e der merda ele pode perder a aprovação dos superiores que ele tanto busca. Empreendedorismo significa apostar na sua ideia, significa fazer sacrifícios e trabalhar duro pela sua ideia. Mas pra trabalhar duro de verdade tem que ser apaixonado, obcecado, a gente ainda tá aí apaixonado por nós mesmos, enquanto deveríamos estar apaixonados pelo trabalho que fazemos.

Se não há amor incondicional, não há liberdade de escolha. A criança precisa saber que a família dela vai tar lá pra ajudar ela se tudo der errado, e que não tem problema se tudo der errado, o amor sempre vai estar lá. Se a pessoa sente que tem que agradar os pais/o Sistema de alguma forma, ela não vai fazer o que ela deseja, mas sim o que o outro deseja. O livro arbítrio sempre existe, mas em muitos casos ele está encoberto por uma série de responsabilidades e deveres externos. "Mas eu vou amar meu filho mesmo se ele não passar no concurso". Tá, pode até ser, eu tenho minhas dúvidas, mas digamos que seja verdade. Isso não importa, porque não é isso que você diz pro seu filho, você diz que ele tem que passar no concurso, desgraça.


III.



E vem cá, vamo combinar, você acha que a escola tá dando aula de direito pro seu filho porque vai ser bom pra ele, ou porque vai fazer com que mais pais bitolados e inseguros ponham seus filhos na escola? Fala o que você quiser da escola pública, que o ensino lá é uma merda (mais uma vez, porque você deixa ao eleger babacas que querem que você permaneça burro), mas pelo menos lá o foco deles é o ensino e não o lucro. Você compra uma camiseta do uniforme da escola por R$45 e acha que é porque aí tem menos chance do seu filho sofrer bullying, o que é claro é uma noção profundamente idiota. Você acha que pagou pro seu filho se dar bem, mas na verdade só pagou a entrada da BMW do dono da escola.

Sabe pra que serve uniforme? É pra estimular conformidade. Olha os outros ramos que usam uniformes: o exército, a polícia, advogados. Todos ramos em que tudo gira em torno de seguir regras. É claro que militares e advogados têm seus lugares na sociedade, mas na escola isso não tem o menor cabimento. Racionalize como quiser, mas quem usa uniforme é quem é mandado.



* 'brasileiro' aqui quer dizer brasileiro de classe média ou alta de pelo menos segunda geração, porque o cara que acabou de comprar a primeira geladeira não vai ler esse blog

** sim, eu sei que não é tão simples, mas um povo tem o governo que merece

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Uma distinção crítica

I.


O que acontece com o machismo quando só tem homem?

É bem comum ver por aí artigos escritos em sites feministas, ou até em jornais e revistas, falando de estupro e machismo e de como o patriarcado é isso ou aquilo. Infelizmente, também é muito comum que a ideologia das pessoas sequestre as histórias para reafirmar suas pautas. É o que acontece aqui:


Primeiro, eu não sei por que raios ela mudou o título do artigo, o url original indica que era "Estupro, o que nunca será sexo", o que é muito mais pertinente do que uma pergunta nebulosa, mas enfim. Nesse ponto ela tem razão: se um não quer, dois não transam.

Mas vamos ao que interessa. A autora fala sobre uns casos horríveis de estupro e assassinato, beleza, esses caras têm mais é que se fuder mesmo, o que é claro raramente acontece no Brasil. E aí vem o sequestro: ela afirma que o que os casos tem em comum é que são crimes de gênero. Errado. Crime de gênero é assédio sexual. Assassinato é assassinato e estupro é estupro.

Fica bem claro que, pressupondo que os fatos noticiados não foram distorcidos, o que também não acontece, aqui a gente não tá lidando com machista ou com o patriarcado ou que seja, a gente tá lidando com psicopatas. Há uma distinção bem nítida. É a mesma coisa que pegar um caso de um branco que assassinou um negro e dizer que foi crime de raça. Claro que pode ter sido, mas pode não ter sido também, você não tem a menor ideia do que se passa na cabeça de um assassino.

No caso do estupro, bom, homens também são estuprados, você só não fica sabendo porque ninguém posta no "Moça você é machista". A patologia do estupro tá relacionada ao poder, não à sexualidade. O "sexo" é apenas uma arma usada pelo estuprador pra exercer seu poder sobre a vítima. Acontece que as mulheres são justamente as que têm mais dificuldade em se defender (não devido a sua natureza, mas devido à educação que receberam). Tanto que, na prisão, onde a lei da selva tende a predominar, como não tem mulher, eles estupram os homens mais fracos.


II.

A autora nos diz:

"O assédio na rua, conhecido de todas as mulheres brasileiras (ou quase todas), não chega perto do sofrimento dos estupros e assassinatos que tomaram a mídia. Mas tem em comum com eles, no pano de fundo, a ideia corrente de que nós mulheres somos apenas corpos sem desejo próprio e, pior, disponíveis."

Não, não, não, não, não, não, não. Os dois fatos não têm nada em comum. O estuprador é um psicopata. O que faz o tal assédio na rua é um narcisista. É muito importante que isso fique muito claro, porque conflacionar os dois só serve pra avançar uma ideologia. É importante porque a mulher que vai pular carnaval precisa saber distinguir entre os dois e estar preparada pra lidar com os dois. Não, não, isso não é culpa da mulher, se uma mulher é assediada ou estuprada a culpa sempre é de quem atacou. Só que pensa desse jeito, um cara que faz algum esporte violento, tipo futebol americano ou boxe. Ele sabe muito bem dos riscos de lesão que ele corre, e que inclusive pode acontecer de ele ficar paraplégico ou até morrer. Mas ele assume esses riscos porque a recompensa, seja qual for, é maior. É o mesmo com quem vai pra folia: você sabe que há um risco de ser assediada ou até estuprada, mas assume esse risco porque a diversão compensa. O jogador de futebol americano, pra tentar diminuir os riscos, usa uma verdadeira armadura pra se proteger. A mulher deveria fazer o mesmo: saber se defender, saber reconhecer um psicopata, etc.

O problema da abordagem de ficar chamando todo mundo de machista é que o narcisista nunca vai reconhecer que é machista, e o psicopata não tá nem aí pra isso. Se você chega prum cara vestindo abadá e bebendo Kaiser quente e acusa ele de machismo, ele vai fazer o que qualquer um faz quando é atacado, assumir uma posição defensiva, tornar-se mais rígido ainda. Você não vai conseguir mudar a cabeça dele, mas talvez você consigo mudar a cabeça da mulher que foi assediada por ele encorajando-a a se valorizar e se defender, e se defender quer dizer coisas completamente diferentes dependendo do assediador ser um psicopata ou apenas um narcisista (e se possível as nuâncias, nada é preto e branco infelizmente).


III.


Como que eu sei que isso tudo é pura ideologia?

"Tremo de indignação, como diria Che, num mundo como este."

Ah, não sabia que o Che Guevara era teu broder, pra ficar chamando ele pelo primeiro nome apenas. Citar o Che Guevara pra falar da injustiça de um assassinato mostra que ela não tá pensando no Che Guevara, assassino (se os fins justificam os meios é um debate pra outro dia), que existiu, ela tá pensando no Che Guevara da camiseta vermelha que ela tem, que nunca existiu.

A ironia disso tudo é que ela acaba fazendo exatamente a mesma coisa que ela critica na Veja ou na Globo.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

A diferença entre ética e moralidade

I.

Você é a metade de cima ou a de baixo?

Gustavo Ioschpe se pergunta na Veja se ele deve educar seus filhos para serem éticos. O artigo do Gustavo é legal porque, ao incorrer numa conflação de ética e moralidade, ele acaba sendo um bom representante do brasileiro, ou até do ser humano de maneira geral.

Resumindo: o pai do Gustavo, nas suas próprias palavras, era obcecado com ética e conduta correta, seja o que isso quer dizer. Você sabe que esse artigo foi escrito pra Veja porque tem uma foto da Hannah Arendt, uso de palavras tipo leitmotiv, e citações de Sócrates e Kant. Tudo bem que quase ninguém que tá lendo a Veja vai ter lido a Crítica da Razão Pura, mas é só uma questão de credibilidade mesmo, de estabelecer a autoridade: ó, o que eu falo é certo porque eu sou educado e culto. Dica: o recurso à autoridade é uma falácia.

Enfim, o Gustavo tá na dúvida sobre a educação que ele deve dar aos filhos: será que ele os educa para serem pessoas éticas, como seu pai o fez, ou será que ele os ensina o jeitinho brasileiro pra serem mais felizes nessa nossa sociedade medíocre? O que fica pra escanteio é o que o filhos pensam, mas enfim. Tudo bem, o Gustavo certamente é uma pessoa ética (ou será que é? Repara como ele projeta seu próprio lado "malandro" no povo brasileiro), mas e daí? Isso não quer dizer absolutamente nada. Mentira, quer dizer que ele nunca reformou o código de ética dele, ou seja, ele é só ética e nenhuma moralidade.


II.

A ética é o superego, e a moralidade é a reforma do superego. Considere a situação: você descobre que um colega seu tá roubando um dinheiro da empresa, mas ele só tá fazendo isso porque ele precisa pagar uma operação caríssima pra salvar a filha dele porque o plano de saúde da empresa não cobre. Antes de mais nada, pergunte-se o que você faria. A coisa ética a se fazer seria denunciá-lo, pois ele está descumprindo a lei imposta. A coisa moral a se fazer seria calar a boca, porque puta que o pariu a filha dele tá morrendo! A coisa moral seria você mesmo tomar dinheiro da empresa e dar pro cara.

A ética é um conjunto de regras sobre as quais uma devida sociedade entra em acordo, seja sob forma de lei ou sob forma de valor comum (pontualidade, etc.). A moralidade, por outro lado, não pode ser definida dessa forma. Ela é algo pessoal, e é irracional, muitas vezes uma afronta à lógica. Você faz algo porque você sabe que é a coisa certa a se fazer e ponto final. A moralidade é você saber quando seguir a regra e quando quebrar a regra, quando ouvir o que seu pai falou e quando ignorá-lo. E não tem ninguém pra te dizer se você fez o certo ou não.

A função do superego é trazer um senso de continuidade que permite a sobrevivência de indivíduos e sociedades. Sem uma ideia fixa de quem "eu sou", não há como progredir, pois não há diferenciação entre "eu" e "outro". No entanto, o superego, a ética, não tem valor moral. A ética faz sentido num devido contexto mas ela nunca pode ser realmente universal. Esse é o erro no qual incorrem tanto o Gustavo como a maioria das pessoas.

O Gustavo fala das regras que ele absorveu do pai dele, que sem dúvida era um militar, ou de família militar, mas nunca questiona essas regras. Ele repete simplesmente o que o pai dizia, sem se perguntar se esses valores realmente são aptos. Tá, o Brasil tem vários problemas, violência, machismo, corrupção, blablabla, mas quem vai dizer que a vida no Brasil é pior que em outros cantos do mundo? Se você acha a favela armada ruim, imagina onde os loucos são armados. Ou seja, falta de pontualidade atrapalha, sim, atrapalha, claro, mas no final das contas a diferença não é tão grande assim, e sem dúvida todo mundo beneficia de um atraso aqui ou ali.


III.

O problema está nos extremos: não se pode mentir, ponto. Imagine-se na situação do Gustavo quando criança, quando ele ganhou um presente da mãe que ele não gostou: será que ele fala a verdade e machuca os sentimentos da sua mãe, ou será que ele mente e arrisca sofrer a punição do pai? O certo teria sido falar pra ele que a honestidade é de suma importância, sim, mas que às vezes é necessário uma mentirinha. O problema da mentira não é inerente à mentira, ele aparece quando a mentira causa algum prejuízo a outro.

E como saber quando mentir e quando falar a verdade? Não existe manual, não adianta olhar no seu Vade Mecum, não tá na Constituição. Só você que vai saber, ali, na hora. Isso que é a moralidade, e a gente pode até aprender a moralidade com exemplos e com o passado, mas não tem professor pra te dar nota, não tem pai pra te aprovar nem mãe pra te abraçar.

Mas é exatamente isso que apavora as pessoas. Não há certeza nenhuma, você não sabe 100% se fez a coisa certa. Tem que confiar. Por isso o superego é tão atrativo: ele é seguro, ele não muda, ele é constante. Pena que a vida não é assim. Certamente não é fácil, mas o superego precisa ser desconstruído e reconstruído periodicamente, senão ficamos engessados e paranoicos.


IV.

A conclusão a que o escritor chega é que sim, ele deve ensinar os filhos a serem éticos, e de fato, ser ético é exatamente o que ele faz. Mas veja bem, ele não diz que vai ser rígido com os filhos porque ele acha que é a coisa moralmente certa a se fazer, ele diz isso pra fazer que nem o pai dele, um pai que deixou o filho tão noiado com as regras que ele é incapaz de chegar a suas próprias conclusões - o artigo todo é só uma coleção de memórias e citações "eruditas".

Quando dependemos unicamente das regras de conduta, da palavra dos outros, atrofiamos nossa própria capacidade de nos lançarmos ao mundo, e acabamos sempre tomando decisões que garantem nossa segurança e nosso conforto, mas você não precisa ser historiador pra encontrar exemplos infindos de que a segurança e o conforto não nos levam a lugar algum.

Ou seja, o superego tem sua função, mas se você não exerce sua própria capacidade de julgamento moral, você acaba se apagando e tornando apenas mais uma peça do sistema, totalmente inerte. Ironicamente, é justamente o pai (leia-se, não necessariamente o pai biológico, nem necessariamente um homem) que deve ensinar isso ao filho, cortar o cordão umbilical, e dizer pra ele que ele é responsável pelas consequências das próprias escolhas e que é apenas ele que pode decidir o que é correto. Temos a tendência de partir do pressuposto que há valores universais, mas isso não existe, não há nada que garanta que ser maligno, egoísta, é ruim no final das contas.

A diferença entre a ética e a moralidade é que a ética é dos outros, e a moralidade é sua. Ou seja, se você não confia em si mesmo, na própria moralidade, você não existe.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Se o Eike é supersticioso, o que dizer sobre você?

I.


Tá, agora, lembra que isso é a Globo, ou seja, não são fatos, não é o que é verdade, é o que eles querem que seja verdade. O Eike Batista, anos atrás, foi praticamente canonizado pela mídia, o novo herói brasileiro (já parou pra pensar por que não há grandes negociadores brasileiros a nível mundial? Não, o Eike não conta, a mãe dele é alemã). No entanto, as coisas não saíram tão bem quanto se imaginava, fudeu, deu merda, Eike em crise, ou seja, Brasil em crise.

Só que é muito importante para a mídia que ela saia ilesa, então ela precisa se desassociar do Eike. Como fazer isso? Fácil, é só pintá-lo de paranoico e crente. Segundo o artigo, o Eike explicou seu fracasso como sendo resultado de mentiras e inferno astral. Qualquer um pode falar que ele tá responsabilizando o Outro e não vendo sua responsabilidade no fracasso, mas a. ele sabe muito bem por que fracassou - se não soubesse não seria quem é, seria mais um idiota qualquer; b. a gente não tá falando do Eike.

O Eike dizer que os outros mentiram pra ele é a mesma coisa que um político fazer um pedido público de desculpas por ter sido pego traindo, todo mundo sabe que a mentira tá rolando solta, mas todo mundo finge que é honesto. O que é interessante mesmo é a questão do mapa astral. Olha o que eles dizem: "O texto lembra que o empresário acredita em sorte e superstições." Viu, ele acredita em horóscopo, ele enganou a gente dizendo que era sério. Aham, beleza.

Mas para pra pensar: o mapa dele dizia que o período seria ruim pra negócios, e o período foi ruim pra negócios. Ou seja, a previsão do mapa foi confirmada. Ah, foi mal, eu esqueci, é sorte, é coincidência. Mas quando o economista da Globo acerta uma previsão, não é coincidência, é expertise. As palavras são suas inimigas.


II.

Também tem um artigo sobre o assunto na Veja, os textos dizem a mesma merda, mas olha a foto que eles usam:

Fonte: Veja
Essas fotos nunca são por acaso. Os caras sabem que quem lê a Veja odeia o Lula/PT, e puf, agora o Eike Batista é odiável também. Só que você não odeia o Eike porque ele é amigo do Lula, você odeia o Eike porque ele teve sucesso e você não.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Já tentou invadir a Rússia?

I.

Tem que passar por ele antes


Depois eu explico a dos russos. A questão do bullying é extremamente simples (como quase tudo). Sim, o bullying é um problema sério, sim, eu sei que você também sofreu com bullying, etc. A questão não é as causas do bullying, isso é muito fácil de identificar, o problema tá na resposta que dá à questão.

O que mais se ouve quando algum psicólogo ou repórter fala na TV ou na Veja é que o que as crianças devem fazer é relatar ("isso não é dedar" brincar de semântica é fácil, por definição é dedar sim) aos pais ou professores ou que seja. Isso é um absurdo. O resultado disso não é o fim do bullying, o bullying sempre existiu e sempre existirá, ao menos enquanto ainda houver pobreza e raiva e ambivalência no mundo. O resultado disso é uma geração de concurseiros.

O Cartoon Network ("eu não assisto isso" não, mas seu filho assiste - ou será que assiste, você não deve ter ideia do que ele vê) tem um site que pretende lutar contra o bullying. Bom, a primeira dica que eles dão é "não fique calado". Relaxa, você não precisa reagir à agressão, é só contar o que aconteceu. Ótica dica se você quer que seu moleque seja um covarde histriônico. A dica certa é "não fique parado", mas calma, vamo ver o que mais o Cartoon tem pra nos falar.

Tem uns videozinhos que passam no canal também que mostram um nerd e um malandro, ou alguma oposição dessa, se juntando pra falar de um interesse em comum. Hmm, beleza, os pais acham isso lindo, mas a criança sabe que ela nunca, nunca vai ver isso. Se ela ver, é apenas a exceção que confirma a regra. Pra que servem esses vídeos? Pra manter as crianças numa fantasia.


II.

Olha, relaxa cara, eu também acho que agressão não deve ser aceita, ela tem que ser canalizada, mas para com isso, o seu filho não é o bully, é a vítima. Não adianta nada falar dos bullies porque você não tem como (muito menos o direito de) interferir na família e no ambiente desses caras, a gente tem que falar aqui é de quem sofre a agressão.

O que a psicologia popular e os pedagogos e tal dizem é que devemos encorajar as crianças a delatar o meliante (viu, não é legal ficar fazendo joguinho com palavra). Mas pensa bem nas consequências disso. A criança tá aprendendo que a solução aos problemas dela nunca se encontra nela mesma, mas em alguma autoridade, que a redenção dela é função da vontade de quem detém o poder. Ou seja, a solução para a falta de poder é a entrega do pouco poder que ainda se tem.

Isso pode até resolver a situação na escola (provavelmente só vai piorar), mas o que a pessoa faz quando ela se acostumou a simplesmente relatar as agressões e depois que ela sai da escola não tem mais a quem recorrer? O que ela faz quando sofre agressões do chefe, de um assediador, de um rival, etc? As possibilidades são várias, mas provavelmente envolvem extremismo, raiva, álcool, pílulas, ou alguma combinação. "Não fique calado" cria um monte de vítimas.

A resposta certa vai variar de situação em situação, de contexto em contexto. Não adianta generalizar, o que funciona pro menino de classe média que é chamado de gordo não vai funcionar pra menina cuja bunda é diariamente alisada na favela. O que é importante, mesmo se não der certo, é encorajar a criança a resolver a situação ela mesma, na medida do possível. Tá, se o menino tá levando porrada de uns idiotas a solução não é aula de jiu-jitsu, mas se ele tá sendo chamado de nerd e tão rindo da cara dele, que caralho que vai adiantar falar isso pro professor?

A criança (ou adolescente ou adulto) tem que saber resolver problemas, e sem necessariamente partir pra agressão (meio difícil aprender isso quando até os pais agridem, mas enfim). Igualmente, não adianta achar que tudo tem solução. A criança também tem que entender que há certas coisas desagradáveis no mundo que ela simplesmente não pode mudar, às vezes o outro tem mais poder e acabou. Para de contorcer a cara, life's a bitch. Não duvido nada que seu avô tenha sofrido bullying de alguma forma, mas isso não impediu ele de mandar todo mundo tomar no cu e sair pra construir sua vida.


III.






Sem dúvida você já viu esse vídeo do menino gordo que é agredido por um magricelo e depois arremessa ele no chão. Olha o que nos diz o jornal da Globo, repara que a mensagem é mais uma vez "corra pra quem tem poder". Mas isso é natural, o jornal quer que você sempre ceda à autoridade, aí ele pode te falar o que fazer, seja votar no Serra ou comprar cerveja aguada. O problema é quando você responde desse jeito.
Esse menino foi celebrado como herói, e isso nos diz várias coisas. Primeiro é que não, não foi uma resposta apropriada, ele só se deu bem porque o magrelo não se deu mal. O gordinho é dez vezes maior que o moleque, você não precisa quebrar a clavícula de alguém pra impor seus limites. Se você acha que a resposta certa à violência é mais violência, parabéns, você é que nem os idiotas que comemoraram o assassinato do bin Laden.

Segundo que isso mostra que não você não tá procurando justiça, você tá procurando vingança. "Eu não, não sou assim" certo, mas é você que assiste Batman e Dexter. Presta bem atenção nisso porque isso é muito importante: ao se vingar, você não tá sendo justiceiro, você tá simplesmente perpetuando o status quo. A raiva do agressor original ainda vai existir, e se ele não puder descontar em você, vai descontar no filho dele, que em troca vai descontar no teu filho. Repara bem que ninguém deu muita bola pro magrelinho, mas pode ter certeza que a situação na casa dele é pior que a situação do gordinho.


IV.

E que que os russos têm a ver com isso? Bom, pra começar que nenhum império ocidental jamais conquistou a Rússia. Por quê? Porque se você tenta conquistar uma cidade russa e tem um exército maior, eles simplesmente queimam a cidade e as plantações e deixam você morrendo de frio e fome. Isso não quer dizer que você tem que dar uma garrafa de Stolichnaya pro seu filho, quer dizer que quando o outro cara é mais forte, a melhor defesa não é um bom ataque e muito menos uma autoridade, é a sagacidade.

Mas porra, é foda, como que você vai ensinar a criança a se defender (de maneira sensata) se a vida toda você falou pra ela que violência é errado, e que ela tem que reprimir todo instinto de agressão? Bom, pelo menos saiu o edital do BaCen.

sábado, 7 de setembro de 2013

A TV brasileira vista pelos estrangeiros

I.

Na verdade, o título correto é "A TV brasileira vista pela TV inglesa".

Nos anos 30, o filósofo austríaco Kurt Gödel demonstrou que um sistema pode ser coerente ou completo, mas nunca os dois ao mesmo tempo; é impossível compreender um sistema sem estar fora dele (se quiser fazer um experimento legal, fala prum materialista/reducionista que a consistência dos axiomas de um sistema não pode ser provada de dentro do sistema).

Por isso, se você pretende entender o Brasil, tem que vê-lo de fora, tem que ver com olhos de gringo. Você pode até discordar das conclusões da apresentadora ou questionar o viés dela, não é muito difícil refutar seus argumentos, mas é extremamente importante que você se veja com os olhos dela.




Não, não é coincidência que ela não falou da Globo.


Tip of the hat pra Carol pelo vídeo

domingo, 1 de setembro de 2013

O vestibular é retardado

I.

Fábrica do século 18

Aff, eu não sei onde começar essa bagaça. Fui procurar qualquer coisa no Google, mas só tinha notícia de que aconteceu ou vai acontecer tal prova, tantos porcento não fizeram a prova na UEL, blablabla um monte de inanidade. Não há absolutamente nada falando sobre o vestibular como conceito, fazendo perguntas, só um eco. Então eu fui ver essa porcaria, uma "aula" de história no G1.

Primeiro que todo mundo fala que a Globo rouba do Criança Esperança mas ninguém imagina que talvez, quem sabe, haja uma ideologia por trás do que eles publicam no site? A Globo não vai ser objetiva, ela vai dar a "aula" dizendo pra você o que ela quer que você ouça. Você acha que a Globo quer que você tenha uma visão crítica, inteligente, objetiva, etc? Não, ela quer que você assista o Jornal Nacional e a novela das dez. Junte 1+1 e a gente tem...?

Essa "aula" não ensina absolutamente nada sobre a Inglaterra do século 18. É exatamente a mesma coisa que assistir Oliver Twist. Não há nuâncias, não há várias camadas, vários atores, contextos variados, etc. Não, há apenas os patrões vs. o proletariado. Mesmo se você tem o mínimo de perspicácia pra ver que isso é apenas uma lente através da qual ver a história, você não tá se perguntando por que uma corporação conservadora (redundância) tá te alimentando com uma visão de esquerda da história.

Eu podia passar mais tempo falando de como essa "aula" não ensina nada, mas faça isso você como exercício, vê se usa esse cérebro que você aposentou muitos anos atrás. O que importa aqui é que o objetivo dessa aula virtual, e por aula virtual eu quero dizer todas as escolas, não é que você entenda o que aconteceu na Inglaterra naquela época, mas que você saiba que resposta que o professor quer ouvir.


II.

Fábrica do século 21

Que a preparação pro vestibular é o único objetivo das escolas é perfeitamente claro, tem muita gente que até sabe que tá aprendendo água. O que elas não percebem é que elas tão silenciosamente cedendo o controle a uma figura maior, abstrata, a uma grande mamãe que vai cuidar de você, não se preocupa, é só esperar 5 dias numa maca no hospital público.

Eu entendo que é difícil a gente questionar o sistema escolar porque é a única coisa que a gente conhece, é o que os nossos filhos fazem, nós fizemos, nossos pais fizeram. Mas para pra pensar um pouco na merda em que você anda rolando.

Mas calma lá, Che Jr, não adianta você organizar um protesto. Isso não é uma conspiração nacional pra emburrecer a população. O Ministro da Educação não tem uma reunião com uma cabal sombria regada de charutos e prostitutas, a Dilma não tá mandando botar propaganda do PT no livro-texto, não, o problema aqui não é o governo, o problema é você.

O que acontece é que o sistema NUNCA foi desenhado pra tornar a população mais inteligente, ninguém tá emburrecendo, foi todo mundo sempre burro. E a gente tá parado, o desenvolvimento da educação nunca aconteceu, porra você não sabia até que na Finlândia, onde as pessoas se odeiam o suficiente pra ter uma das maiores taxas de suicídio do mundo, até lá eles avançam. Você reparou que não tem vestibular na Finlândia?

O que o vestibular e o sistema educacional que gira em torno dele ensinam é que a resposta não está nos fatos, não está na argumentação, não está na lógica, não está no contexto, nada, ela tá é no livro-texto (alguém sabe dizer que escreve esses livros todos? quem publica? qual o viés? etc), ela tá no professor, ela tá no cara que faz a prova. Vai tomar no cu. Sério, puta que o pariu, você já deu uma resposta criativa, sua, pesquisada, inteligente, a alguma pergunta no ensino médio? Não, três frases não serve, e de qualquer jeito você só escreveu o que acha que eu/o professor quer ouvir, não sua análise própria.

"Mas tem que escrever uma redação no vestibular!" Sério, você chama isso de redação? 30 linhas, metade delas introdução e conclusão, não dá nem pra contar seu fim de semana em só uma página. Você se acha fodão por ter tirado nota boa na redação, enquanto isso na França o menino de 13 anos tá escrevendo redação na prova de matemática.


III.

O primeiro adágio da magia é que o mago vai desviar sua atenção enquanto ele realmente faz seu truque (e se você acha que os donos do mundo, os Arcontes, não usam princípios de magia, parabéns, ela funcionou em você). Aí enquanto você tá discutindo sobre os dois lados do debate, enquanto você critica o esquerdismo dos livros-texto, você não pergunta: 1. por que que eu tou achando que vou descobrir os fatos num texto generalista e propositalmente vago? 2. por que que tem vestibular? 3. vestibular mede o quê? etc, você fala de capitalismo e não percebe que vive no feudalismo.

Enquanto você tá aí discutindo sobre cotas raciais ou que seja, você acha que tá mandando bem porque quer que os negros vão pra universidade, e não se pergunta pra que serve essa porra de universidade. Se tá tendo uma discussão no G1, no Facebook, corra antes que seja tarde, é tudo uma distração. Você fica obcecado com as respostas e não se preocupa com as perguntas.

Pode ter certeza que se começarem a questionar o vestibular na mídia, é porque as pessoas começaram a fazer perguntas demais. Pronto, controvérsia fabricada, e o sistema educacional continua a mesma merda de sempre. Você realmente acha que o problema é o salário dos professores? É claro que isso é UM problema, mas não é o problema da educação, isso é um problema social/administrativo/etc. Quando foi que você viu alguém conversando sobre a validade do currículo escolar? "Ué, mas é pra isso que servem os pedagogos." Ou seja, não você. Ponto pros arcontes.


IV.

Porra, é tanta coisa que fica difícil dividir e falar, mas enfim, vamo lá. Pra que serve escola? Sério, alguém já respondeu essa pergunta sem repetir o que algum professor idiota falou? "Pra formar cidadãos." Tá, o que é um cidadão? "Pra aprender a viver no mundo." Ah, então foi na escola que você aprendeu a fazer imposto de renda, aprendeu a não ser influenciado por propaganda, aprender a fazer orçamento, e tudo mais, né, ufa, ainda bem. "Pra aprender os fatos que vão usar no mundo adulto." Eu te dou R$20 se você tiver mais de trinta anos, não for biólogo, e me explicar como se reproduzem os moluscos, um dos fatos tão úteis que aprendeu na escola.

A escola hoje em dia tem uma preocupação (eu tou falando da sua escola particular, não da escola em Serra da Poeira, Alagoas), e essa preocupação é passar os alunos no vestibular. Assim, mais pais desesperados, que não sabem o que é educação, vão querer botar os filhos nessa escola, e assim o ciclo se repete. Já parou pra pensar que o resultado que importa pra escola não é o aprendizado dos alunos, mas quanto dinheiro sobra no final do mês, quem sabe eles abrem outra escola em outro bairro?

Duas histórias ilustram essa tristeza:

  • Na aula de física, a menina claramente não entendeu porra nenhuma (o problema, é claro, não é que ela não aprendeu os princípios da física, que vão servir a ela no dia-a-dia, mas que ela não aprendeu os fatos cobrados na prova); o sinal toca, e a amiga dela fica pra trás com ela pra elas revisarem; o professor não aceita isso "VOCÊ É LOUCA, VOCÊ TÁ ENSINANDO SUA CONCORRENTE, ELA VAI ROUBAR SUA VAGA NO VESTIBULAR". Mensagem recebida: o que importa não é aprendizado, é receber ordens.
  • Palestra pra pais interessados em escola particular de renome, a diretora, falando sobre os alunos da escola dela: "aqui a gente ensina, desde essa idade, que esse menino é concorrente dessa menina". Eles não têm 15 anos, eles têm 8.

Pensa bem sobre isso.


V.

O valor do vestibular não tá em sua mensuração de inteligência, porque isso é a última coisa que ele faz. Ele não tem valor nenhum para os que o fazem, é só mais um obstáculo colocado pelo contexto deles que eles acham que têm que ultrapassar. O valor tá pros pais desses meninos: "meu filho passou em Direito na federal!" Parabéns, você acabou de formar mais um concurseiro.

Os pais dos adolescentes não têm a menor ideia do que é educação, do que é ensino, de como ele acontece, etc. Eles só conhecem o que eles mesmos passaram, que pode até ter nome diferente, ginásio ou sei lá que porra, mas é exatamente a mesma porcaria que hoje em dia. Portanto, é só isso que eles sabem cobrar dos filhos. Eles não têm a menor ideia se o Junior é criativo pra cacete ou só mais um autômato, eles não sabem se ele tem senso critíco, eles não sabem julgar nada disso. Por isso, eles se voltam para algo tangível, algo que eles podem medir (passou/não passou).

E é só disso que eles precisam. Como eles não sabem o que é um adolescente inteligente/etc, eles usam símbolos, que permitem a eles objetificar seus filhos, e reforçar sua identidade de "bons pais". Um bom pai se preocupa com a qualidade do aprendizado do filho, mas precisa saber medir essa qualidade, e ninguém sabe, então eles precisam de documentos ou que seja que mostre pra eles que os filhos aprenderam, notas, números, coisas vazias.

Você acha que o pai que essencialmente força o filho a fazer direito tá preocupado com a felicidade do filho? Claro que não. Ele tá preocupado com o filho fazer artes cênicas e todo mundo no trabalho falar que é viado, é hipster, sei lá. Ainda se o pai achasse que o filho tem um talento nato pro direito, aí quem sabe, mas não, ele sabe o filho é lesado e nunca se daria bem como advogado. "Pelo menos com direito ele passa num concurso público." Percebeu que o barômetro dele é o status do filho, não o conhecimento ou a habilidade dele? Ninguém quer um filho que seja excelente jurista, quer um filho que seja juiz, competência que se dane.


VI.

Vejamos o que o bom menino estudioso aprendeu:

  • que a resposta certa não é a que é lógica ou ética, é a que o corretor determinou
  • que ele não tem que aprender a analisar conteúdo, ele precisa memorizar fatos
  • que na vida é tudo certo ou errado, múltipla escolha, que não há ambiguidades ou ambivalências ou relatividade
  • que basta ele passar no vestibular ou se formar na universidade que ele vai ser uma pessoa competente, moral, etc
  • que o que mede a inteligência dele é uma prova binária
  • que apenas fatos importam, não contexto
  • etc
Parabéns, você não formou um cidadão, formou mais uma bateria pro Sistema.

"Cara, mas o que que tu tá querendo dizer?" Não importa o que eu quero dizer, importa o que você entendeu.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

A criação de um narcisista

I.

E ele nunca mais conseguiu parar de ver seu reflexo no lago

Juninho, um machista no capricho

Eu diria melhor. Juninho, um narcisista no capricho. O Miguel Rios quer fazer um comentário sobre a cultura machista, e bom, ele acerta em cheio, não sobre o machismo, mas sobre o narcisismo, por isso vou transcrever aqui o artigo e fazer uns comentários.

II.

Juninho nasceu. Dia de festa na família, de orgulho. O filho varão. Quarto azul, roupinhas azuis. Azul é o ursinho. Azul é o chocalho. Trata-se de um menino, homem, e tem logo que ser identificado com tal. Não deixar dúvidas.

Já temos aí o primeiro problema, os pais vão enfatizar a masculinidade dele mas o que ele vai absorver do ambiente é feminilidade, azul não é uma cor masculina, é uma cor feminina, fria, emocional, depressiva, etc. A cor masculina por excelência é o vermelho. Os pais negam seu lado feminino mas o fazem confrontá-lo todo dia. Parabéns.


Juninho é carregado pelos tios e logo seu pênis, mesmo diminuto, é louvado. "Pintão!". "Esse puxo ao tio!" As tias se apressam em arranjar um par para quem tem um dia de vida. "Agora a filha de Maria e João tem com quem namorar", diz uma. "Tem também a de Pedro e Juliana", lembra outra. Chegam logo a um consenso que ele dará conta de todas.



É garanhão. É homem. Surge a conclusão que ele estava virado para o lado direito, pois, nessa posição, poderia ficar de olho na menininha ao lado no berçário. Conversa vai conversa vem, alguém lança a teoria que quando ele chora as garotinhas se calam para escutar o grito másculo do conquistador.


O lado direito é o lado feminino, conservador


Juninho é homem e como homem será criado. É uma família que nutre a testosterona, a macheza, com muito cuidado. Não podem fraquejar, por tudo a perder.


Reparem que o interesse aqui é o dos pais, não o do filho. Eles não tão nem aí pra como ele se sente, eles só querem reforçar a própria imagem. O problema de acharem que o Juninho é sensível não é que isso é ruim pra ele, mas é ruim pros pais.


O menino cresce e é teleguiado na ordem. Bola e carrinho. Falcon e Comandos em Ação. Um dia Juninho tocou em uma Barbie. De imediato foi repreendido. "Não é para menino". Ele beijou um amiguinho na bochecha. Recebeu uma bronca maior. Roubou um beijo na boca da coleguinha. Quanta alegria dos pais, que fingiram desaprovar diante dos familiares da garota, mas comemoraram em casa o avanço do amado homenzinho. "Esse não nega. Vai pegar todas. Hehehehe!" Como o pai está feliz.

É gradual. Juninho aprende a ser homem, macho, como se espera, é o que tem que ser. O tio o abraça e pergunta: "Quantas namoradas já tem na escola?" Juninho responde: "Sete". O abraço fica ainda mais apertado. Respondeu assim... na obrigação, no escapa. De tanto ser questionado e ficar perdido sem saber o que falar, contou as amigas de classe e jogou o número na inocência. Foi premiado, viu que agradou. Tempos depois aumentou para oito. Mas comemorado ainda. Juninho fixou que quanto mais aumenta a soma, mais homenageado é.

É óbvio que o Juninho não tem literalmente sete namoradas. O tio só reforça que o que vale é apenas a imagem, a impressão que você causa. O abraço é mais forte não porque ele tem várias namoradas mas porque ele disse que tem várias namoradas. O Juninho aprende que o conteúdo real não é importante, apenas o que as pessoas acreditam.


Aprendeu. Homem tem que pegar muitas, tem que contar que pega muitas e aí causa contentamento. Mulher é feita para ser apanhada. Juninho já sabe que isso "é coisa de homem", que "homem é assim mesmo", "que quem quiser que prenda suas cabritas que o meu bodinho está solto". Juninho fixou.

Chegou na adolescência e tem consciência de que o mundo é machista, desde o começo é desse jeito, fim de papo. Ele dos que saem e paqueram. Dos que se ligam em uma garota e vão para cima. Dos que acham que a fêmea tem que ceder, que sua cantada é imbatível, que insistir é fundamental.
Juninho aprendeu com os parças que a mulher vai ali para ser incomodada, que ela faz doce, mas ela está querendo, que não tem que abrir para o beicinho dela, que macho que é macho não desiste. Ele já beijou forçando, puxou cabelo, levou tapa na cara e bateu de volta.

Ou seja, as mulheres não tem individualidade, só têm papeis, elas não são Maria e Roberta e Laura, elas são a puta, a virgem, a popular, a nerd, etc. O narcisista não vê um mundo repleto de sujeitos, ele se acha o protagonista de um filme e todos os outros são só tipos, estereótipos, personagens secundários. Se elas são apenas imagens, é claro que não têm vontade própria, a única função delas é em relação a ele.


Juninho modelou a mente para identificar a menina para ficar e a para namorar. Normas que ele segue à risca, porque homem que é homem de respeito não se liga à vagabunda, não quer ouvir "tás com uma rodada?". Para namorar é a menina com menos fama de ficante possível. A comportada. A virginal. Para dar uns pegas é a liberta, a sem amarras, que ele conhece como piranha. A que não vai rejeitá-lo. A que taxaram como sempre disponível. Que é ir lá e pimba!, já pegou. Que se recusar ele tem o direito de reclamar: "Como assim ele ser recusado?", "Como assim aquela puta posar de difícil?". Juninho não entende. Não admite. Não foi o que lhe disseram desde sempre, está fora do eixo.



O problema, reparem, não foi ser rejeitado pela Fulana, foi ele ser visto como rejeitado. É claro que ele vai criar racionalizações, "ela é uma puta", mais uma vez apelando prum papel.



Não é o que lhe cobram. Juninho sabe que precisa corresponder. Caso algum requisito do macho ideal falte em sua ficha, ele tem que pagar. Preço, para ele, duro.



Ênfase minha.



Se Juninho tropeçar diante da banca examinadora, que nunca para de fiscalizar, é chamado de gay. Instantâneo. Se fraqueja na caça sexual, é veado. Se usa um sapato fora das regras, é boiola. Se pede um chá na cantina da escola, é bicha.



Ou seja, qualquer indício de que ele é um sujeito tem que ser escondido pra reforçar a imagem. Mas o resultado disso é que não há mais Juninho, há apenas mais um macho alfa.



Inadmissível para ele. Juninho foi doutrinado para pensar que, mas que tudo, homossexualidade é o que há de pior. Que seus tios e tias, primos e primas, avôs e avós, mãe e pai, sempre o guiaram no cabresto, com tanta pressão, tanta vigilância, tanto esforço, para evitar a desgraça. Que ele pode ser tudo. Machista, tarado, bandido, dar desfalque, trair um amigo, ser violento, mandar pessoas para o hospital. Tudo. Menos a desonra de ser gay.



Juninho treme apenas em pensar na possibilidade de que alguém bote sua macheza em dúvida. Nunca. Logo ele que para desmerecer chama logo de veadinho. Logo ele que vai para o estádio torcer e grita sem parar "Fulano, veado", "Time de mariquinhas". Que nem cogita ter um jogador homossexual manchando as cores de seu manto sagrado. Que caso ocorra vai ameaçar o cara,manda sair, já em pânico pela chacota que o adversário vai fazer pelo resto da vida.



Logo Juninho que não lava um prato, nem arruma a cama por ser trabalho de mulher. Logo ele que abusa dos gesto viris. Que abraça amigo quase na porrada para que o afeto não seja confundido com delicadeza. Que grita palavrão quando uma garota de minissaia passa, que coleciona Playboys, que de jeito nenhum chora porque nada a ver ser sensível, que transa mesmo sem estar a fim apenas para manter a reputação intacta.



Um comportamento muito comum, se você reparar, não, não o que eles dizem, o que eles fazem, é ficar se agarrando um ao outro. O autor explica bem: eles usam a desculpa da porrada, mas seja o que for, eles falam que tão se batendo mas o mundo vê eles se pegando. Lembra que eles adoram UFC.



Que acha que o mundo corre perigo de enveadar por causa dos direitos LGBTs. Que ficou sabendo que ativista homossexual é gayzista, que ser homofóbico é apenas bater em gays, que destratar, querer que continuem subcidadãos, subalternos, é defender o orgulho hétero, as famílias, a ordem natural. Que acha o mundo é hipócrita, já que ninguém quer ter filho gay, mas ficam defendendo.



Isso é projeção, o hipócrita é ele, ele sabe que os gays merecem os mesmos direitos que todo mundo, mas ele não pode admitir isso, nem pra si mesmo.



Juninho é algoz e vítima. O mundo, que ele tanto acredita ser imutável, que como está deveria ficar, solidificou aos poucos, desde quando bateu suas primeiras palminhas, o que ele prega.



O mundo de Juninho é o de verdades velhas, fabricadas por interesse, de seus antepassados, que ele absorveu como suas. De que há pessoas subordinadas, que o lugar delas é aquele, que não têm nada que contestar. Elas têm é que se contentar.



A ideologia primária não é anti-gay ou anti-mulher ou que quer que seja. O que interessa é que você aceite seu papel de bateria da Matrix, que você não questione nada, que você se submeta à autoridade. Eles se posam de macho alfa mas no fundo são os machos ômega.



Juninho é um rei. Está no lucro. Posto no topo da cadeia alimentar, em um ecossistema onde outros são presas. Para capturar, acasalar, procriar ou para destruir. Ele luta para perpetuar seu lugar dominante.



Isso é o que ele quer ver. O melhor escravo é aquele que não sabe que é escravo, que se acha o rei.


Juninho não atenta, em seu silêncio crítico e criativo, o quanto ele nada tem de atitude. De ele mesmo. É um papagaio, uma cópia. Um escravo, que asfixiou uma parte de si para dar satisfação, se moldar ao que se quer dele. É passivo.

Ele não asfixiou uma parte de si, ele se asfixiou por completo. Não há Juninho, nem ele acredita mais nisso.



Mas Juninho está nem aí, nem vai chegando. Raciocínios novos são frescuras de veado. Ficar lamentando injustiça é mimimi de veado. Homem bebe, arrota e dá no couro. E fica tudo bem.



Juninho tem mais é que se preocupar com o casamento que se aproxima. Com menina que ele desvirginou e engravidou. Não está muito na de juntar as escovas de dente, já caiu na greia dos companheiros, de que vai para a forca, que perder a liberdade, mas ele se compromete a não deixar a farra e a pegação. "Mulher em casa nada impede mulher na rua". E arranca gargalhadas. Se não der certo, separa e volta por completo para a curtição.



Na verdade o provável é que ele traia ela de mais em mais frequentemente, com mulheres de mais em mais jovens, porque ele não conseguirá aceitar o fato de que está envelhecendo, a única coisa que ele sabe fazer é pegar piranha, mas vai chegar uma hora que todo o Viagra do mundo não vai levantar o pinto desse cara. Ela vai ficar com ele porque ela não conhece outra coisa, presta atenção, ela tá com o cara que desvirginou ela até hoje. O mundo inteiro dela tá no dele porque os pais dela não ensinaram ela a ter respeito próprio, a valorizar a si própria, olha com quem ela casou porra.



O importante é que Netinho nasce daqui a seis meses. Enxoval azul já encomendado. Max Steel e Hot Wheels na prateleira. Netinho vai puxar ao pai. Macho todo.



E aqui está o problema de verdade. Já não há mais esperança pro Juninho, ele já ficou pra trás. E agora, quem vai salvar o Netinho?

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Não é raiva, é inveja

I.

Lúcifer encarnado

Se você entrou na internet na última semana, você deve ter visto a tragédia mais relevante dos últimos tempos. Se você pensou na Síria ("fica perto do Oriente Médio, né?") ou na erosão da economia mundial ("quê? eu comprei um iPad ontem!"), parabéns, você ainda tem chance. Se você pensou na escolha do Ben Affleck pro papel do Batman no próximo filme do Super-Homem (?!?), se remova do genoma humano antes que seja tarde demais.

Fãs realizam petição para tirar de Ben Affleck o papel de Batman

Puta que o pariu. Eu não sei nem por onde começar.


II.

Pense bem: cada segundo que você passa criticando a decisão ou assinando petições é um segundo que não contribuiu absolutamente nada nem pra si mesmo nem para os outros. Você realmente tem alguma ilusão que uma petição vai fazer com que os produtores voltem atrás? A única maneira que você tem de influenciar essa decisão é de não assistir o filme, mas eles sabem que isso nunca vai acontecer, então eles ganharam.

"Mas eu vou ver o filme na internet, não vou dar dinheiro pra eles." Talvez, mas você vai conversar sobre o filme com teu broder, que depois vai querer assistir no cinema. Eles ganharam de novo, esquece cara, eles são muito mais experientes nisso que você. Você realmente acha que o Pirate Bay continuaria a existir se os picas-grossas da indústria do entretenimento não deixassem? Se você respondeu que sim, eu conheço um príncipe nigeriano que precisa da sua ajuda com uma transação bancária.

O fato é que você tá fazendo um enorme investimento psíquico numa questão que é, no melhor dos casos, superficial. Mas tudo bem, eu entendo, se você investir sua energia psíquica no autodesenvolvimento vai se dar conta que sua vida é uma mentira, é difícil aguentar esse tipo de choque. Isso é, mais uma vez, masturbação. Pensa bem: seus 15 minutos foram mais mal gastos do que com uma punheta, porque pelo menos com a punheta você goza.


III.

A única coisa que interessa pros produtores é quanto dinheiro vai entrar na conta deles depois que o filme sair. É por isso que eles gastam centenas de milhões pra promover os filmes, a ideia é saturar você com a ideia do filme até que você assistir o filme seja inevitável.

Ou seja, quando você chama o pessoal pra participar na petição, a única coisa que você tá fazendo é promover o filme, porque o que importa é que as pessoas estejam falando sobre o filme, foda-se o conteúdo efetivo da conversa. Até uma prostituta ganha um pouco de (ou muito) dinheiro quanto ela vende o corpo. Você vendeu a alma e não ganhou um tostão.

A escolha do Ben Affleck foi uma controvérsia fabricada, eles não escolheram ele apesar da reação dos fanboys, eles escolheram ele por causa da reação dos fanboys. Eles contaram com sua petição, cara. O artigo acima ainda faz o favor de mostrar a futilidade dessa discussão dando o exemplo da reação dos fanboys à escolha do Heath Ledger. Eles reclamaram, resultado, o Heath Ledger virou um rock star e dirigiu seu carro até o pôr do sol.

Alguém lembra da atrocidade que foram os filmes do Batman que vieram antes do Chris Nolan? Schwarzenegger e Jim Carrey, sério? E o Ben Affleck é ruim? Olha, eu até concordaria se fosse dez anos atrás. Todo mundo fala do Demolidor (?!?) mas esse cara fez Gigli, desculpa, Contato de Risco, puta merda, mas felizmente o Ben Affleck não é que nem você, ele evolui, ele cresceu, e hoje em dia ele tem uma pilha de Oscars e buceta à la carte e você não tem nada.


IV.

Falar mal do Affleck é fácil, mas eu te garanto que você trocaria de vida com ele num piscar de olhos. A verdade é que ele é perfeito pro papel: ele é branco, ele é atraente, ele tá perto dos 40, ele é um bom ator. Que mais você quer, porra? Mas não, o problema não é que ele não daria um bom Batman, eu te garanto que vai tar todo mundo pagando pau quando o filme sair, o problema é que ele não é quem você imagina na sua fantasia do Batman.

O Christian Bale é conhecido por fazer papeis difíceis e sombrios, portanto ele é bom, enquanto o Ben Affleck faz filmes de ação e comédias românticas, portanto ele é ruim. O que você esquece é que eles são atores, eles são pagos pra mentir pra você, os papeis que eles tiveram antes do Batman não tem absolutamente nenhuma relevância ao desempenho deles como Bruce Wayne.

Mas isso é só secundário, a principal razão que você não consegue imaginar outra pessoa no papel é que os filmes do Nolan foram seu primeiro contato real com o Batman (não, assistir o filme do Tim Burton aos oito anos não conta), ele que é o SEU Batman. Ou você acha que seu primo mais velho não achou que o Christian Bale era uma péssima escolha? (tá, tudo bem, talvez nem tanto porque qualquer pastel seria melhor que o George Clooney, que claramente tava zoando com o diretor - e por extensão, com você)

A única maneira de descobrir se o Affleck vai ser bom como Batman vai ser de assistir a porra do filme. O que acontece é que você não consegue sair dessa bolha que é sua existência, em que tudo gira em torno de você. A escolha do ator TE desagradou, portanto você vai mover mundos e fundos (= fazer uma petição, xaropar no Facebook) pra deixar perfeitamente claro pra todo mundo que você é um grande conhecedor do cinema e sabe melhor do que ninguém quem seria ideal pro papel. Tudo isso é uma ótima distração à percepção que você é praticamente irrelevante, ou seja, inexistente.

Eu aposto que você pensa que se fosse um quaquilionário você também seria um justiceiro. Talvez não enfrentando mafiosos e corruptos, mas de alguma forma. Mas isso é uma fantasia, se você tivesse nascido num berço de ouro você taria cheirando coca na bunda de uma stripper e batendo racha bêbado com sua Porsche. O que tornou o Bruce Wayne no Batman foi a morte dos pais dele. Ele (relativamente) rapidamente chegou à conclusão que toda a riqueza no mundo não preencheria o vazio que ele sentia, nada fazia sentido na vida dele, na verdade ele só virou o Batman porque ele não tinha nada a perder.

Se você tivesse a escolha de ser o Batman, mas tivesse que perder seus pais aos 8 anos, você o faria? Eu também não. Não é a vida do Batman que você quer, é a máscara dele.


V.

Tudo bem que é um alvo fácil, quem passa seu tempo em sites assim não tem muita esperança anyway, mas vale mostrar alguns pra exemplificar o que eu tou falando:

As pessoas nao tem mesmo mais com o que se preocupar ne?

Realmente, essa galera que fica postando nos sites da Globo é foda

Só lembrando, ele acabou com o Demolidor!!!!!!!!!!!!!!!!

Não, quem acabou com o Demolidor foi você que não consegue assistir um filme em que ninguém usa uma máscara (e você é o que você consome)

Samuel L. Jackson é o Nick Fury, CHRISTIAN BALE é o Batman, Matt Damon é o Jason Bourne. Certas coisas não se deve mudar.

Certamente não você né campeão

Acho que tem que ser o Christian Bale novamente,ele é perfeito…

Errado, ele pode ser o melhor ator da história mas ele ainda é um ser humano (uma característica clara do narcisismo é uma incapacidade de ver indivíduos, apenas imagens, tipos)

O resto dos comentários é do mesmo naipe, "eu acho", "eu acredito", "na minha opinião" PUTA MERDA EU JÁ SEI, seu nome tá logo acima caralho. É tudo eu, eu, eu, o que acontece aqui não é avaliação crítica, não é distanciamento objetivo, é afirmação de identidade. O problema é que essas pessoas tão afirmando a identidade delas num vácuo, elas não conhecem as outras pessoas que tão postando, elas tão fazendo isso unica- e exclusivamente pra se reafirmarem pra si mesmas

"Ah mas você tá aí falando desse assunto, quem é você pra criticar?" sim, tudo bem, a diferença é que você tá se posicionando como PhD em Batmanologia, enquanto minha pretensão é apenas ser um espelho. O que você vê?

domingo, 18 de agosto de 2013

Inteligente ou inconsciente?

I.

Pessoas inteligentes

"Pessoas mais inteligentes dormem tarde, afirma estudo." Eis a manchete de um artigo postado no blog Engenharia É. O que você acha que tá lendo é que a ciência mostra que seus hábitos noturnos foram justificados, mas o que você lê de verdade é somente um reforço a sua identidade, à identidade que você acha que escolheu pra você mesmo. Se você tá lendo esse blog, certamente você se acha um cara inteligente, e provavelmente é, pelo menos num sentido de capacidade de raciocínio lógico e espacial. Mas o que esse artigo realmente faz é dar uma desculpa pra você não mudar. Se você leu, é pra você.

Vamos olhar pra você, Pedro Henrique, aluno de engenharia. Você tá no 6o semestre, já bombou uma ou outra matéria, não sabe direito o que quer da vida ainda, mas ei, pelo menos vai ter um bom emprego quando se formar, certo? Você tá passeando pelo Facebook às 3 da manhã, e vê a manchete acima. É claro que você vai clicar no link, porque isso permite que você alivie a sensação de inutilidade que pervade sua vida. Esse artigo vai passar a mão na sua cabeça e te assegurar, dizendo que não é culpa sua que você passa seu tempo memorizando dados e jogando videogame e dormindo mal pra caralho, é porque você é um cara Inteligente, é você que vai salvar o mundo do Feliciano, naquele momento mágico em que você for O cara.

Uma rápida passada pelo artigo, e amanhã você comenta isso com teu broder enquanto vocês matam a aula pra comer um salgadinho: "Quem dorme mais tarde é mais inteligente!" Repare que você trocou a causalidade sem nem pensar no assunto. Isso é porque esse artigo, esse estudo, são uma fraude. Começa com o estudo: cadê ele? Não tem nenhum link pra tal estudo, só pro jornal de onde eles tiraram essa informação. Isso já devia acionar seus alarmes, mas eu acho que duas décadas de Coca e Cheetos devem ter deixado ele meio defeituoso. Mas tem pior.

II.

"Outros estudos encontraram uma ligação entre o período vespertino com tirar notas boas na escola"

"Outros estudos", ou seja, impossível saber se foi algo rigoroso ou se eles só tiraram isso tudo da bunda e assinaram os nomes de cientistas em baixo. Mas tem outro problema. Você pensou "eu tirei boas notas, eu durmo tarde, há, sou eu!", parabéns, pode mandar seu contracheque direto pro BB e pro PT, você perdeu, cara. Quem sai ganhando aqui é o Sistema, porque você continua vivendo sua vida medíocre, achando que tá tudo bem porque você é "inteligente". Você já parou pra pensar o que são notas e o que elas medem? Vou te dar uma dica: não é inteligência.

Achar que é "inteligente" pode funcionar pro PH enquanto ele tá na facu, mas não vai adiantar muito quando ele tiver se divorciando e odiando o emprego dele fazendo banco de dado pro TCU. Esse tipo de artigo não é ciência, é masturbação, é punheta mental. Pro blog ele serve pra gerar conteúdo, porque os editores sabem que você vai acabar postando esse link no muro da sua mãe, e olha só que bacana, saiu um livro novo do Dan Brown, como que eu não sabia disso?

O PH nunca parou pra pensar que nenhuma criança na história disse "quando eu crescer, quero ser programador de banco de dados!". Quando ele era pequeno ele tinha sonhos de ser jogador de futebol, de ser caubói, de ser ninja. Hoje em dia o sonho dele é sentir tesão pela mulher que tá cada dia mais gorda e mais perua, mas nem isso rola. Ele esqueceu dos sonhos dele pra viver uma fantasia que ele absorveu dos pais/família/sociedade/cultura. Pra isso que serve esse tipo de artigo: depois de mais uma noite em que a mulher dele tem dor de cabeça, ele se lembra que pelo menos ele é inteligente, ele dorme tarde. Ah, mas hoje em dia ele não dorme mais tarde. Será que ele emburreceu?

III.

Toda psiquê é possuída de mecanismos de defesa, sem os quais seria impossível sobreviver os massacres diários da vida. Precisamos ter um sentido de identidade consolidada, senão não dá pra aguentar seu chefe cretino: "eu posso ser um reles empregado, mas pelo menos não sou um babaca que nem ele". O problema é que o pai do PH foi ausente ou fraco, ele prestava mais atenção ao futebol e à secretária dele do que aos próprios filhos. Resultado: o PH nunca aprendeu a superar os mecanismos de defesa, ele ficou subserviente a eles, a mãe dele disse que ele podia ser qualquer coisa e o pai dele não disse porra nenhuma e agora ele acha que precisa ser tudo, sem ser nada.

O PH aprendeu que ele pode escolher o que ele quiser, o que parece lindo, mas o problema é que ninguém ensinou pra ele COMO escolher. Depois ele se encontra fazendo inscrição no vestibular, sem nunca se perguntar pra que diabos serve essa merda de vestibular, não, os pais dele sempre reforçaram que o importante era ele passar no vestibular, senão não ganhava carro, e como ele não aprendeu a escolher ele deixa os outros escolherem por ele. E ele escolhe uma engenharia qualquer, meio arbitrariamente, porque aí a mãe dela ia poder se gabar pra vizinha: meu filho passou em engenharia! E daí?

Anos depois, o PH tá miserável na engenharia, ele só estuda pra não receber bronca dos pais por bombar mais uma matéria. Estuda porra nenhuma, memoriza. Ninguém ensinou ele a estudar também. Só que largar o curso tá fora de cogitação, todo mundo ia ver que ele não é "inteligente" nem "responsável". A mãe ia ficar horrorizada. "Tudo bem, eu vou fazer um concurso, aí depois que eu passar eu posso descobrir quem eu sou." Resultado: mais alguns meses ou anos de memorização inerte, um concurso nada meritocrático, dois semestres de francês, uma viagem pra Europa, algumas aulas de violão, e a percepção que ele tá mais perto dos 40 do que longe.

O que nos leva a um ponto crucial no artigo:

IV.

"A pesquisa também afirma que  as pessoas que ficam acordadas até tarde são menos confiáveis e mais propensas a sofrer de depressão e vícios diversos."

Ele nunca vai admitir isso pra ninguém, mas o Pedrinho sabe que no fundo ele não é confiável e que ele é deprimido e viciado em pornô/bebida/maconha/videogame. Ele racionaliza/projeta que quem não é confiável é o Malafaia, é o Sarney. Mas ele sabe que no fundo esse "estudo" tá falando dele, que não precisa se preocupar com a depressão e o vício porque ele é "inteligente", e ele pode falar isso pra mãe, que conta pra vizinha que sim, meu filho dorme absurdamente tarde, mas isso só mostra que ele é inteligente (NB. como ela sabe que não fez merda nenhuma na vida, ela usa o filho pra se redimir).

Ou seja, ele ainda faz tudo pra manter a identidade que passaram pra ele, de que ele é inteligente porque ele tirou nota 10 na prova de ciência da 5a série. Já que ele nunca se preocupou em procurar uma identidade própria, já que ele recebeu tanto reforço positivo pra ser quem mamãe queria que ele fosse (tudo que ela não foi), ele não consegue se imaginar sendo outra coisa. O artigo e punhetas parecidas são o que faz com que o Pedro Henrique não tome duas caixas de Dorflex, ao mesmo tempo em que impedem que ele reconheça que ele não é tão "inteligente" assim, mas que não tem absolutamente nada de errado com isso.
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